Que Me Transborde

A louca

Porque eu sou louca.
Eu sou maluca.
Nunca fui de seguir regras. Porque eu não presto. Porque eu não valho moedas. Eu não valho cédulas. Porque eu tenho dessas. Dou ataques e gritos. Sou calada e nem ligo. Porque eu sou mulher, seu moço. Sou aquela que não espera a guerra. Aquela que é amor. Que é luta e dor.
Eu sou Maria.
Sou Dandara.
Sou Iemanjá.
Sou de tudo e por tudo. Sou a louca da praça. A de batom vermelho na cara.
A sem coração.
A sem permissão.
A omissa.
A culpada.
A oblíqua.
E ainda dizem que sou puta, mulher da vida. Ah, uma perfeita prostituta!

Não fui feita para servidão. Uso e abuso de minha coragem, não tenho medo de mexer com autoridade

Porque eu sou louca. Eu sou maluca e sou dessas. Ninguém me segura. Eu sou pequena e tenho bigode. Ah, nem o diabo pode! Nunca me disseram o que fazer. Muito menos aquela moça fazendo o comercial de cerveja na TV. Nunca me calaram, muito menos aquele homem que gritou que me estuprava, gritou que não me respeitava. Nunca taparam meu rosto, porque eu mordo. Eu grito. Eu luto. Não espero e não me aquieto.

O que o senhor esperava?
A louca não pode falar? Tenho anos lutando e esbravejando.
Me respeite. Eu sou dona desse lugar.
Porque eu sou louca.
Eu sou maluca. A normalidade me destrói em uma sociedade corrupta. Sou feita de erros e totalmente imperfeita. Não me venha com flores tentando desculpar suas desfeitas. Não me bote para cuidar da casa, pois eu tenho facas e sei cortar. E sei o meu lugar. Não é aqui e muito menos lá. É aonde eu quero. E não me desespero, pois meu dia ainda irá chegar.
Já fui e voltei muitas vezes, seu moço, não é agora que vão me parar. Porque eu revivo todo dia, toda hora e em todo lugar.
Sou a filha da negra.
Filha dos pobres.
Sou filha do mar.
Sou a mãe terra.
Já fui dona de lá e de cá.
Mas não me calo. Eu sou o artigo A e me transformo em quem eu quiser.
Porque eu sou louca.
Eu sou maluca.
Eu sou mulher.