Capítulo 03

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Sem correção...

Luana

Do meu quarto eu ouvia sons no andar de baixo. Eram vozes alteradas. Pensei em descer, mas pouco me interessava, se as meninas estavam brigando. Em meus primeiros dias na casa, eu queria era ficar bem longe de qualquer encrenca. Era bem experiente em lugares como esse para saber que quanto menos envolvimento tivesse com os proprietários ou com as colegas de profissão melhor.

Já trabalhei em espeluncas que ficavam com todos os nossos rendimentos e nos obrigavam a sermos prostitutas dos clientes, e ao fim do expediente, lá íamos nós dividir nossa grana sofrida. Trinta por cento era nosso e setenta por cento da casa. Injusto? Demais. Mas eles diziam que era por conta de nossos gastos. Água, luz, alimentação. Mesmo que dos trinta por cento que nos restava ainda fossemos obrigadas a ajudar nas compras diárias quando quiséssemos comer algo diferente.

Fui até a janela do quarto e imaginei o que estariam fazendo hoje as meninas da boate do Davi? Qual seria o número de hoje? Vinte e cinco de dezembro. Segundo a tradição deveria ser uma data festiva e alegre, mas para mim, será marcada, como o dia em que voltarei aos palcos.

- Maldito. – Mas porque estou culpado o Davi? Ele não me prometeu um faz de contas. Ao contrário, foi bem claro quando disse que nosso casamento era uma encenação durante algum tempo e depois seria desfeito. Ainda tenho que agradecer porque nós transamos alguns dias e para mim foi o céu, o Davi jamais transa com a mesma mulher mais de duas ou três vezes. Isso é uma regra que todas nós que convivemos com ele conhecemos bem. Então eu já saí no lucro. Suspiro fundo. Mas mulher como dizia minha mãezinha: "Mulher é bicho bobo, quando se apaixona, perde toda a razão". E agora entendo o que ela queria dizer.

Afastei-me da janela ainda ouvindo a discursão, mas não me deixando vencer pela curiosidade deitei-me na cama e deixei-me levar pelos pensamentos dos felizes natais que tive ao lado de minha mãe até os doze anos de idade. Quando ela se apaixonou por um homem e abandonou meu pai. O problema foi que ela me esqueceu para trás. Ela me deixou com meu pai que faleceu de tristeza anos depois. Eu fiquei morando com uma tia que me levou a conhecer o mundo da prostituição aos quatorze anos. Foi quando conheci o Davi e ele me levou para viver como stripper porque tinha um rosto bonito e um corpo esguio. De qualquer forma sou grata a ele.

As vozes cessaram e duas batidas à porta do meu quarto e a Michele entrou nua. Eu gargalhei.

- O que é isso? Dia da liberdade da expressão corporal? – Me sentei na cama enquanto ela se sentava na poltrona perto da cama e cruzava as pernas. Não usava uma peça sequer de roupa. Era uma negra de fato muito linda.

- Não. Minha forma de protesto contra o JC. Ele me deixa totalmente sem... Sem. Sei lá. Eu odeio o JC.

- Dizem que a linha do amor e do ódio é tênue.

- E o que é isso?

- Tênue? – Claro, uma menina de dezessete anos que abandonou a escola não saberia disso. – Como eu posso te explicar? Tênue é uma coisa assim, fina, quase inexistente, insignificante.

- Ah... Você podia me dar aulas? Parece inteligente.

- Se fosse – Suspirei – Não estaria nesta vida.

- Mas você fala palavras diferentes. Acho que é por isso que o JC não gosta de mim. Eu não sei falar palavras bonitas e não tenho paciência para ir à escola. Ah não. Pela misericórdia do divino.

- E por que não estuda a distancia? A gente podia fazer aulas juntas. Seria legal. Basta que tivéssemos um computador.

- Eu tenho. – Seus olhos brilharam. E de um momento para o outro o brilho se apagou novamente. – Mas acabamos de brigar e ele me mandou embora. Então não sei se foi sério ou não, preciso esperar um pouco. Já tivemos outras brigas antes, mas ele nunca falou comigo assim. Se eu não for expulsa da casa eu topo estudar desde que não tenha que ir à escola ver a professora todos os dias. Mas se eu for expulsa... Não tenho para onde ir.

Marcas da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora