Capítulo 02

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Sem Correção

Davi

Ao entrar no apartamento aquela noite senti um calafrio percorrer meu corpo. Tudo parecia tão frio. Havia terminado as comemorações natalinas e era como se o Papai Noel mais uma vez tivesse trago meu presente pela metade. Ele sempre fazia isso, o cara sem noção era esse velho com essa roupa ridícula, que não se atualizava nunca na moda. Sempre com essa roupa vermelha com essa barba ridícula, e esse sino irritante. Desde os tempos do meu pai trazendo os presentes pela metade.

Olhei a pequena Estrela adormecida em meus braços, ainda não tinha certeza do destino dessa menina, mas agora pensava no que ela sentiria ao ser tirada, de mim. Seria parecido ao que a Mel sentiu ao ser levada, da Júlia naquela noite fatídica.

Naquela noite os gritos da Mel me deixaram tão perturbado que eu disse ao motorista que gostaria de caminhar um pouco e sai andando e quando dei por mim estava atravessando os limites da cidade sem mesmo perceber. Foi uma coisa sem explicação. Eu já tinha me sentido rejeitado por meu pai. Pela Larissa, mas uma rejeição do nível da Mel tocou no fundo da minha alma.

Eu não soube o que era só sabia que algo precisava ser feito. E era com urgência. Não pode uma pessoa estar certa, quando todos a rejeitam. Foi quando um homem caminhava com um saco em suas cotas e perguntou para onde estava indo.

Começamos a caminhar juntos e ele me contou sua história. Disse que era um motorista com carteira "E". Eu sorri. Ele também.

- O Senhor não acredita em mim? Por causa das minhas roupas? Já fui um motorista de uma grande empresa. Mas por passar dias foras de casa, e muitas noites sem dormir. Acabei no mundo das drogas para pegar mais cargas e aqui estou eu... Sem emprego. Sem esposa. Sem nada.

E com tantas histórias para contar fomos caminhando até chegar a uma cidade vizinha. Ali tomamos café e de um dia para o outro eu me vi caminhando de cidade para cidade com homens e mulheres que tinham muito que partilhar de suas vidas. Eu me sentia bem. Eles não sabiam quem eu era e eu acabei não dizem de onde vinha, nem meu destino.

Eles não tinham preocupações com o que comer no outro dia. Quando acordassem se preocupariam com isso. Nem com o que vestir. Nem com o trabalho, só viviam. Cada dia de uma vez. Mas que isso... Protegiam-se uns aos outros. Também havia muitos que estavam ali, porque a família haviam os colocado para fora de casa. Muitos viciados que foram abandonados pelos maridos, esposas e pais. Eu entendia os dois lados. Embora comovido com os dois lados, não era fácil conviver com a abstinência.

Tinha dias em que eles agrediam uns aos outros por causa de um pouco de droga ou por centavos. Eu escondi meu cartão e minha identidade no bolsinho da minha camisa. E nunca andava com dinheiro... Nunca.

Nem sempre havia um albergue para tomar banho ou para nos alimentar, eu dava um jeito de sair escondido e às vezes era preciso andar longe para achar um banco ou um lugar que passava cartão para comprar alguns marmitex e quando questionado eu dizia que usava meu charme ou roubava. E quem com fome vai ficar questionando de onde vem o almoço e o jantar.

- Estrela... – passei a mão em seu rostinho adormecido.

Foi em uma dessas que eu conheci a Estrela. Ela se aproximou com seu rostinho tristonho e tão lindo que na hora eu me lembrei da Mel, mas eu não gostava ainda de crianças. Preferia me manter afastado delas.

- Quem é você? – Ela se escondeu atrás da pilastra. Devia estar morrendo de fome ali naquela praça onde havia vários mendigos sentados. Olhei em volta esperando que algum dos adultos se levantasse e viesse a sua procura. Ah... Claro que não. A mãe ou o pai devia ter mandado que ela viesse para pedir para ela e para eles. – Você não tem nome? – Ela continuava escondida olhando só com um dos olhos para mim e para o velho que comia comigo sentado no banco de pedra.

Marcas da AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora