6 anos depois
A lâmina passou a guarda de Jonathan e tocou o seu braço de raspão, provocando um pequeno corte que o fez cerrar os dentes de dor.
- De novo, Jonathan. - Barnier suspirou, enquanto dava novamente espaço para o filho, sem nem ao menos esboçar um gesto de mínimo esforço. Não tardou a investir de novo.
- Não é tão fácil quanto parece - retrucou o mais novo, defendendo-se das estocadas enérgicas do oponente, e quase escorregando na relva macia do jardim em que treinavam.
Eu observava todo aquele espectáculo da varanda dos meus aposentos. Pollyanna acabara de entrançar os meus longos cabelos, tendo até mesmo sugerido enfeitá-los com flores, algo que eu prontamente recusei.
- Estás dispensada - afirmei, sem tirar os olhos do combate que se desenrolava.
- Dis... - A mulher jovem, que devia ter mais uns três anos do que eu, gaguejou. - Dispensada? Minha senhora, e o vestido?
- O vestido? - repeti, mirando-a finalmente e fazendo uma careta. - Ah, Polly, deixa-o aí. Ele não ganhará pernas e fugirá, fica descansada.
- Mas o seu pai...
- Tenho a certeza de que o meu pai não quer mesmo saber o que visto. Agora vá. - Pollyana assentiu e deixou a divisão, não antes de me lançar um último olhar por cima do ombro e acenar em reprovação com a cabeça.
Os meus dedos formigaram. Queria estar ali, com o meu pai e o meu irmão.
O meu desejo era lutar e não bordar. Algo que, ao que parecia, ninguém entendia. No fim das aulas de esgrima com Jonathan, o meu pai arranjava um tempinho para mim, o qual eu alegremente aproveitava para melhorar as minhas habilidades. E esse tempo estava a chegar.
Embora Barnier tivesse dito que naquele dia não me treinaria, pois tinha sérias burocracias para tratar. Claro, mas para o filho mais novo havia sempre tempo!
Revirei os olhos para o vestido de tonalidade violeta ricamente bordado e vesti o meu fato de montar, que se encontrava dentro de um baú de madeira. Após convencer o meu (pouco) doce pai a dedicar um pouco da sua espada à minha, iria dar uma volta pela floresta que cercava os terrenos dos Cristvin.
Por aquela altura, devia ter um trauma de morte ao mato graças ao incidente de havia seis anos atrás, mas isso não acontecera, para o bem e para o mal.
Desci as escadas de mármore para a saída dos fundos que ia levar ao belíssimo jardim, cheio de arbustos minuciosamente cortados e flores delicadas em canteiros quadrados.
Jonathan estava no chão e suava que nem um porco, o que me fez esconder um sorriso. Barnier, por seu lado, não gostou de me ver.
- O que fazes aqui, Morgana? - questionou, mirando-me de cima a baixo.
- Vim desafiá-lo para um duelo, meu pai. - Ele largou a espada, enquanto abanava a cabeça.
- Lamento, Morgana, porém, tenho muito para preparar. Em breve deixaremos as nossas terras e visitaremos o rei e tenho de deixar claro como quero que seja feita a administração.
- Oh, por favor. Só peço dois minutos da sua atenção. Além disso - sorri, encarando Jonathan que entretanto se levantara e limpava o traseiro. - Tenho a certeza que consigo um melhor desempenho do que o meu irmão.
Barnier revirou os olhos. Virei-me para Jon, que esboçava um sorriso para mim, contudo, logo os seus olhos se abriram um pouco mais.
Estranhei a sua expressão, mas logo senti uma vibração no ar que me abriu os olhos para o que estava a acontecer. Com agilidade, baixei a cabeça e desviei-me para o lado, evitando desse modo a espada do meu pai.
Ele gostava de fazer isso. Tentar pegar-me de surpresa. Boa sorte para ele.
Barnier era um homem frio e firme que raramente expressava emoções. Desde que Ária, a minha mãe, falecera, parecia que o seu coração congelara. Poucas eram as vezes em que ele permitia que o calor penetrasse no seu peito e aquecesse esse órgão. A atitude dele podia parecer um pouco irrefletida, contudo, ele sabia bem o que fazia.
Tinha a noção de que eu conseguiria desviar-me a tempo.
Alegrei-me assim que ele fechou o punho em volta da sua arma mais uma vez, num aperto firme. Ele tentaria derrubar-me o mais rapidamente possível.
A sua investida foi forte, porém, consegui contrariá-la com eficácia. Barnier sorriu levemente, enquanto voltava a atacar, desta vez com a sua força máxima.
E essa, foi demasiado forte para mim.
Senti os meus ossos estalarem ao mesmo tempo que tentava, de novo, travar o meu pai, mas a sua determinação era de ferro.
Ele não me dava espaço para respirar como fazia com o meu irmão. Vi irritação passar pelo seu rosto quando via os segundos a passar e eu ainda de pé.
Demasiado concentrada no seu rosto, tentando decifrá-lo, não me apercebi do seu intento até ser tarde demais.
Barnier passou-me uma rápida rasteira que me deitou por terra, sujando a minha roupa e perdendo a minha espada.
Ele encostou a sua arma ao meu queixo e murmurou secamente:
- Satisfeita?
Se não tivesse uma lâmina tão afiada encostada à minha pele, teria encolhido os ombros.
- Imensamente. - Barnier não me ajudou a levantar. Revirando os olhos, virou-me as costas e saiu a pisar forte pelo jardim, resmungando o quanto era teimosa.
Jonathan estendeu-me a mão, a qual eu prontamente aceitei. Os seus cabelos negros estavam colados à testa, essa ainda molhada de suor.
- Ainda estou para descobrir como consegues desafiar o nosso pai dessa forma tão leviana.
Coloquei alguns cabelos que se tinham soltado da bela trança feita por Pollyanna atrás da orelha e encarei-o.
- Posso-te dar umas dicas, se assim o desejares.
Jonathan abanou a cabeça.
O dia estava especialmente belo, naquela manhã. Conseguia ver o verde da floresta que cercava as terras de Barnier da zona em que me encontrava, e não tardei a indagar:
- Queres ir à floresta? - O jovem coçou a nuca, ponderando as suas hipóteses.
- Não posso, Morgana. Tenho aula com Mestre Marven. - Ele tentou justificar-se.
Claro.
Como me pude esquecer das lições que ele sempre tinha com o velho?
- Tudo bem. Vemo-nos mais tarde, então! - Jon acenou em concordância.
Despedimo-nos e, enquanto o meu irmão ia ter com os seus livros, eu ia encontrar-me com uma velha e rabugenta Cassiopeia.
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MORGANA - Reencarnação (EM PAUSA)
FantasyUma nova versão do mito arturiano. As trevas chegaram ao mundo. Em 2134, a Era Tecnológica deixou a Terra em ruínas, e a única pessoa que se dispõe a governar, Hoden, é um tirano sem igual. No mito arturiano as pessoas encontram o seu conforto, e Mo...