Distrações e intenções

212 19 8
                                    

A carruagem finalmente parou. Soltei um suspiro de alívio. A viagem fora torturosamente longa e os cavalos não ajudaram em nada para que essa se tornasse menos lenta.

Afastei as cortinas de veludo vermelho e espreitei o lugar em que tínhamos parado: um belíssimo castelo com três torres e com uma altura bastante impressionante. Aquela construção de porte magnífico havia de ter demorado mesmo muito tempo para ser construída!

Hoden Plyte, que já fizera uma ou outra visita à mansão Cristvin, estava no topo da escadaria que levaria à entrada do castelo. Os seus cabelos loiros que já apresentavam alguns fios brancos destacavam-se no homem cujas roupas eram em tons escuros de azul e vermelho. Junto de Hoden, encontrava-se a corte - todos os homens e mulheres importantes da Era Pós-Tecnológica.

Inquiri-me o porquê dos Cristvin estarem a ser alvo de tanta atenção. Seria apenas por sermos uma das famílias mais ricas e importantes, logo a seguir aos Plyte?

É. Talvez essa fosse uma boa razão.

A porta da cartuagem abriu-se e o motorista dessa estendeu a mão para me auxiliar a sair. Embora achasse esse gesto um pouco idiota - tanto eu como toda a mulher que não fosse idosa nem tivesse problemas físicos conseguiria descer da carruagem pelo seu próprio pé - aceitei-o com um sorriso cuidadosamente forjado.

Para além de termos a "honra" da presença dos nobres companheiros do rei, éramos também alvo dos olhares famintos da corte, percebi uns segundos mais tarde. Principalmente eu e o meu irmão. Claro, a notícia de que o meu pai nos queria casar decerto lhes chegara aos ouvidos!

Lancei um olhar furtivo para Jonathan. A sua expressão infeliz comoveu-me. Ele estava a odiar aquilo ainda mais do que eu própria. Talvez para me confortar mais a mim do que a ele, coloquei discretamente a minha mão no seu braço.

Barnier soltou uma gargalhada assim que chegou perto de Hoden, fazendo-lhe uma rápida reverência e dando uma palmadinha respeitosa nas costas do soberano.

Na minha cabeça as palavras de Viviane repetiam-se incessantemente.

A minha mãe traíra o meu pai com aquele homem. E daquela relação nascera um Artur que eu estava destinada a guiar até à perdição.

Ir para Desriel era o mesmo que abraçar o meu pouco colorido destino.

Abafei um suspiro e fiz uma reverência ao rei assim que cheguei perto dele, parando ao lado do meu pai.

Tentei não fitar de volta todas as pessoas de vestidos extravagantes e fatos riquíssimos que me olhavam, com uma mistura de cobiça e curiosidade e tentei também distrair-me da conversa de circunstância que se travava em meu redor e fitei o jardim, amplo e viçoso, com uma fonte no seu centro e várias árvores de fruto, arbustos e canteiros bem cuidados. Bom, não tinha comparação às florestas frondosas dos Cristvin, mas teria de servir até conseguir um cavalo.

-... Rosemarie, poderias guiar Morgana Cristvin numa visita ao castelo e mostrar-lhe os seus aposentos! - voltei a mirar o soberano, que por sua vez falava com uma bela jovem de cabelos loiros apanhados no topo da cabeça, com alguns fios loiros rebeldes adornando-lhe o rosto. O seu rosto simpático abriu-se num sorriso risonho e ela fez uma vénia.

- Adoraria, majestade - disse Rosemarie, com uma voz extraordinariamente musical.

Forcei-me a parecer feliz e segui-a para dentro do castelo, fixando-me na cauda do seu vestido.

Depois de percorrer um corredor luxuoso cujo chão era de uma pedra negra tão lisa e límpida que conseguia ver o meu reflexo, finalmente cheguei a uma enorme divisão. O que me saltou de imediato à vista foram as escadas construídas no centro desse, que subiam em caracol até ao andar de cima.

Aí, uma espécie de varanda com o parapeito em madeira fazia os contornos da divisão quadrangular, o que me levou a imaginar-me naquele sítio em especial e na vista que me concederia dos grandes bailes que ali seriam realizados.

- Eu sou a Rosemarie, Morgana - a jovem interrompeu a minha apreciação virando-se na minha direção e brindando-me com um (outro) sorriso. - Já deves ter percebido isso - continuou, risonha.

Eu tentei aparentar uma expressão feliz e agradável, porém, visto que não havia nenhum espelho à vista, era impossível saber se estava a ser bem sucedida.

- É um prazer conhecê-la - afirmei, sem convição.

Ela pareceu  ficar satisfeita com a minha resposta, pois voltou a sua atenção para o espaço que nos rodeava e abriu os braços, enfatizando o quanto a divisão era ampla.

- Este é o salão de festas. É aqui que se dão todos os bailes e eventos importantes - Rosemarie foi-me mostrando as várias divisões do castelo. Ali nada era rude e grosseiro, todas as tapeçarias, quadros, móveis eram delicados e exalavam beleza e harmonia. O salão das mulheres dispunha de um enorme sofá creme e de várias almofadas espalhadas pelo chão, bem como de um piano antigo.

Avançámos até à zona dos aposentos. Rosemarie abriu uma porta de madeira e fez-me sinal para entrar. Eu assim o fiz, algo acanhada.

As paredes de um rosa pálido, bem como o baú branco a abarrotar de vestidos diziam-me que aquele quarto já era habitado por um ser feminino até àquele momento. Ou seja, de maneira nenhuma aquele era o meu quarto.

- Este é o meu aposento de solteira - anunciou Rosemarie. - Desde que vim para a corte, durmo aqui. Sorte a minha que isso está prestes a mudar.

Obviamente, aquilo não me interessava. Será que ela tinha conhecimento desse facto? Não me parecia. Talvez todos os integrantes da corte pensassem que toda a gente queria saber da sua vida fabulosa de conto de fadas.

... em breve - a loira fez uma pausa para respirar, tirou uma das mechas de cabelo claro dos olhos e suspirou, logo depois. - Terei muitas obrigações assim que casar, por isso terei de me começar a preparar. Pena que todas as meninas que aqui vivem não tenham esse tipo de conhecimentos - okay, tinha-me distraído da conversa (monólogo) dela de novo.

- É realmente uma pena - concordei.

- E por isso, queria pedir a sua ajuda - disse Rosemarie. Ao ver a minha expressão surpresa, apressou-se a continuar - Eu sei que a conheço há cinco minutos e peço imensa desculpa por lhe despejar todas essas informações assim do nada, mas não tenho outra opção - Rosemarie agora parecia apenas ansiosa. - Eu sou uma ignorante. Sei-o e admito-o. Você sabe mais sobre o povo do que eu, que vivo aqui enclausurada há anos. E  preciso de conhecer o mundo pois em breve serei rainha e...

- Você vai casar-se com o príncipe? - exclamei, antes que me pudesse conter. Percebi que tinha feito asneira, pois ela finalmente percebera que eu não prestara um mínimo de atenção ao que ela dissera.

A jovem baixou a cabeça e concedeu:

- Bom, acho que está na hora de lhe mostrar os seus aposentos. Não quero maçá-la mais com as minhas palavras.

Ela virou-me as costas e caminhou de novo para o corredor. Segui-a, revirando os olhos. Porque é que não conseguia manter a boca calada?

- Peço desculpa. Eu sinto-me um pouco zonza ainda com a mudança. Não estou habituada a estar longe de casa. - A minha tentativa de retomar a conversa resultou, pois a jovem fitou-me, interessada.

- Eu entendo. No início também me senti um pouco retraída por cá. Mas depois conheci Cesare Plyte e tudo na minha vida mudou num ápice!

Fiquei tensa. Seria Cesare meu meio-irmão? Não, talvez não. Hoden tivera filhos legítimos com a sua esposa. Pelo menos um rapaz, daquilo que sabia.

- Fico muito feliz por ti - disse polidamente. Depois, tentei ao máximo construir uma frase que, sabia, ela não levaria a sério - Sabes se o nosso rei teve mais filhos, para além de Cesare? - a minha risada não foi particularmente bonita, mas surtiu o seu efeito.

- Que eu saiba não - murmurou Rosemarie. - Chegaste tarde se o teu objetivo era casar com um dos filhos do rei.

É, talvez o meu tom de sonsa levasse a pensar que essas fossem as minhas intenções. Contudo, o que ela acabara de dizer não podia andar mais longe da verdade.

MORGANA - Reencarnação (EM PAUSA) Onde histórias criam vida. Descubra agora