Capítulo 23 - Jack

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Está quase tudo pronto para o almoço, falta apenas preparar a salada e pôr a mesa. Lavo as folhas e tempero-as. Rúcula, alface, agrião e salsa são as favoritas da minha mãe. Ralo a cenoura e a beterraba. Enfim tudo pronto, já estou pensando em me inscrever no MasterChef. Começo a organizar as louças na pia, isso é uma mania minha, só lavo depois de tudo organizado. Sigo uma sequência sagrada e que não muda: copos, talheres, pratos, vasilhas e por fim panelas. Toda vez é esse ritual.
Enquanto lavo a louça, meus ouvidos captam um som incomum, não muito agradável, até certo ponto desesperador: vidro se estilhaçando. Mas o som não é na cozinha, o som vem do quarto. Mamãe!

Subo as escadas correndo e com as mãos cheias de sabão. Deixei a porta do quarto aberta da última vez que subi justamente para poder saber quando as coisas não estivessem bem. Ao lado da cama, o abajur despedaçado no chão, despencou do criado. Minha mãe está tendo mais uma convulsão. Sem demora, coloco-a na posição de segurança, de lado e com a cabeça protegida por travesseiros e almofadas. Pego o telefone e ligo para meu pai. Ele atende no terceiro toque.

- Alô?
- Mamãe está tendo mais uma convulsão.
- Outra?
- Já é a terceira.
- Chego em minutos...

***

- Demos um calmante para a Sra. Carter. Um simples raio X não é capaz de mostrar alguma causa das convulsões. Isso já aconteceu outras vezes?
- Hoje foi a primeira vez, Dr. Fisher. Logo que meu pai saiu para o trabalho ela passou mal e teve uma convulsão curta, acho que não durou mais do que trinta segundos. Perguntei se ela estava bem e ela disse que sim, que queria apenas descansar um pouco.
- Humm?! - O Dr. Fisher pareceu confuso.
- Depois de uns quinze minutos ela teve outra. Durou pouco tempo também, mas na terceira vez eu decidi chamar o meu pai. Ela derrubou o abajur que estava no criado ao lado da cama. Estava muito agitada.
- Vamos fazer uma tomografia. Vocês podem esperar na recepção.

- Pai, se o senhor quiser, eu fiz almoço. Pode ir almoçar, eu fico aqui aguardando notícias.
- Você não quer comer? Posso trazer para você.
- Tô sem fome.
- Tudo bem, volto logo.

Pego meu telefone e ligo para Jessie...
- Jess?
- Jack? Tudo bem?
- É, sim, quer dizer, mais ou menos.
- O que aconteceu? Sua voz tá triste.
- Tô no Regional. Minha mãe passou mal.
- Como assim? Muito grave? O que foi?
- Ela teve umas convulsões hoje de manhã.
- Você tá sozinho aí com ela?
- Meu pai foi almoçar e ela tá fazendo uma tomografia.
- Tô chegando? Você já almoçou, quer que eu leve para você?
- Não precisa, tô sem apetite.
- Se acalme. Chegarei logo.

P.O.V Jessie

Dou a última garfada enquanto encerro a ligação. Pego uma tuppeware e coloco um pouquinho de cada coisa que cozinhei hoje. Nem me preocupo em colocar salada porque sei que Jack não come verdura alguma.
Tomo um banho de gato e escovo os dentes.

Antes de sair, não me esqueço de deixar um bilhete para minha mãe:
Mãe, Jack me ligou e disse que a tia Elise passou mal. Tô indo pro Hospital Regional, onde ela está. Me ligue quando ver esse bilhete.

Que falta faz um celular, já falei para minha mãe comprar um mas ela não acha necessário. Tá vendo como é necessário, mãe!

***

As portas do hospital, automáticas, se abrem sozinhas e com elegância como se eu fosse uma celebridade que estivesse chegando - uma completa idiotice pensar nisso um hora dessas.

Assim que passo pela porta sou atingida por um turbilhão de lembranças. Médicos de um lado para o outro, correndo contra o tempo; pais tristes chorando a morte de seus filhos queridos; pais felizes por verem seus recém-nascidos; idosos sofrendo e a todo momento mais gente chegando procurando alívio para as suas dores.
Até o cheiro do ambiente me faz voltar ao passado. Um filme se passa em minha cabeça, lembro cada mísero detalhe, vejo tudo diante dos meus olhos. Dor, violência, crueldade, não consigo achar mais adjetivos para aquilo. As luzes se apagam e tudo fica escuro.

Apenas amigos, não é?Onde histórias criam vida. Descubra agora