Luz de Vela

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Alguns dias se passaram, Etore havia me avisado que teríamos um novo membro em breve, e eu devia aceita-lo, pois tinha posição influente e seria bom para os negócios. Edmundo Twi ocupava um cargo de chefia em um porto e nós precisaríamos deste porto. Era à entrada de um novo membro e todos os chefes e capos estavam presentes.  Desci com Etore até a Sala de Baixo e me sentei na mesma cadeira que eu me sentava quando Cesare queria que eu presenciasse algo importante: a cadeira do Don

Edmundo era um homem de estatura média, pele bronzeada que denunciava horas ao sol e olhos cor de conhaque. Um tipo comum e me passaria despercebido facilmente. Pedi que se ajoelhasse.

-Esta casa tem como função proteger o fraco do abuso do poderoso. – proferidas as primeiras palavras, o dedo de Edmundo foi furado com um alfinete e algumas gotas de sangue caíram sobre a imagem de uma santa. – Eu vou lhe dizer quais são os dez mandamentos e quero que você os repita depois de mim.

-Sim senhora.

-Muito bem.

1. Ninguém pode se apresentar diretamente a um de nossos amigos. Isso deve ser feito por um terceiro.

2. Nunca olhe para as esposas de seus amigos.

3. Nunca seja visto com policiais.

4. Não vá a bares e boates.

5. Estar sempre à disposição da Cosa Nostra é um dever - mesmo quando sua mulher estiver prestes a dar à luz.

6. Compromissos devem sempre ser honrados.

7. As esposas devem ser tratadas com respeito.

8. Quando lhe for solicitada uma informação, a resposta deve ser a verdade.

9. Não se pode apropriar de dinheiro pertencente a outras famílias ou outros mafiosos.

10. Pessoas que não podem fazer parte da Cosa Nostra: qualquer um que tenha um parente próximo na polícia; qualquer um que tenha um parente infiel na família; qualquer um que se comporte mal ou que não tenha valores morais.

Edmundo repetiu, um por um em ordem perfeita. Nunca achei esses mandamentos essencialmente fundamentais, mas eu não poderia mudá-los. A estátua estava nas mãos de Edmundo, e Bosco colocou fogo nela. ‘Que minha carne queime como este santo se eu falhar em meu juramento’ repetia Edmundo passando a estátua de uma mão para a outra, até que esta virasse cinzas. Terminada a cerimônia, deixei a sala e fui para a biblioteca.

Cesare sempre havia me dito que a escuridão pode clarear os pensamentos de uma maneira incrível. Joguei-me no sofá de couro e pensei em tudo o que eu estava fazendo e nas responsabilidades que eu tinha. Talvez Cesare não tivesse feito a melhor escolha. Etore com certeza era mais qualificado e se conheciam desde pequenos. Eu tinha em minhas mãos as vidas de alguns homens e poderia perder a minha vida pelas mãos de alguns destes mesmos homens. Precisava lidar com a resistência de alguns capos e chefes, ninguém parecia me apoiar, a não ser é claro Etore. Estaria perdida sem ele.

Consegui ter uma semana de sono tranquilo, no entanto em uma quinta-feira chuvosa, acordei com o barulho da minha janela se abrindo. Não fiz barulho algum, nem abri os olhos. Apenas esperei. Depois de um tempo, comecei a achar que poderia ser a minha imaginação, e voltei a dormir. Pela manhã, havia uma minúscula violeta roxa em cima da mesinha de cabeceira.

Quando desci para o café da manhã, Etore e Bosco me disseram que um novo carregamento chegaria em dois dias e que tudo estava correndo bem. Me informaram o plano, que era muito bom e eu dei permissão para que tudo seguisse.

Durante a tarde resolvi sair, desde a morte de Cesare eu ficava confinada em casa todos os dias. Caminhei pela praia e visitei algumas lojas. Quem morava ou tinha comércio perto dos domínios de meu avô sabia quem eu era e me tratavam com cortesia e respeito quase exagerados. Acabei comprando mais coisas inúteis do que gostaria, e por um pequeno espelho em uma loja, percebi alguém me seguindo. Um homem de capa e capuz. Talvez fosse ele o dono da voz.

Em uma rua movimentada, uma mãe que caminhava com o filho baixou os olhos para mim e disse algo que fez com que o menino me olhasse com medo. Eu jamais faria algo a um inocente. Sem mais acontecimentos importantes, tomei uma garrafa de vinho sozinha vendo um filme qualquer e fui para a cama. O verão já estava indo embora, precisei de mais cobertores que o habitual. Quando acordei de madrugada, ouvi apenas o som de uma respiração e sabia que havia sido proposital.

-Finalmente, achei que ia dormir a noite inteira.

-Sou abrigada a acordar pra falar com você? Me procure durante o dia, é mais simples.

-Eu não posso.

-Você não quer. – corrigi

-Fez um bom negócio hoje.

-Como sabe? – ninguém sabia dos iniciados

-Achei legal as bugigangas que comprou na lojinha.

-Só isso?

-Tem algo mais que eu deva saber?

-Mais nada. Foi você quem deixou a violeta?

-Quem mais seria?

-Não sei. Como sabe que eu gosto de violetas?

-Você vai descobrir em breve.

-Estou cansada desse jogo. Quero provas de que você, eu sei lá, não é inimigo e vai mesmo me ajudar.

-Raciocine, se eu fosse inimigo já teria te matado.

-Poderia ter matado o Cesare.

-Eu sei quem foi, mas posso garantir que não fui eu.

-Quem matou o Cesare? – perguntei um pouco alto

-Shi, ta louca? Não posso contar. Mas é a mesma pessoa que eu falei no outro dia.

-Ele passa bastante tempo comigo?

-Mais que o necessário. – Só podia ser o Bosco.

-Quero saber quem é o dono dessa voz, não faz mal eu saber. Não conto a ninguém. – estava quase louca pra saber, a rouquidão o tom manso e seu silêncio me deixavam louca.

-Ainda não.

-Mas só um pouquinho. – insisti.

Soltou o ar com força e rápido de mais para que eu percebesse devido ao sono, ele estava sentado na beira da minha cama, mas usava uma máscara que cobria boa parte de seu rosto e não pude ver nada.

-Satisfeita?

-Não. – sussurrei fixada nos lábios, o superior bem definido, mas um pouquinho torto.

-Não me olhe assim.

-Não estava olhando para você, tecnicamente.

-Minha boca faz parte de mim. – suas mãos agarraram meus ombros e me pressionaram contra a cama.

-Eu quero muito ver você.

-Não insista. Isso é tudo o que você vai ver.

-Agradeceria se soltasse meus ombros, você tem mãos pesadas. – reclamei com dor e irritada

-Desculpe. – gentilmente, o estranho tentou massagear meus ombros, mas devido a minha posição contrária, não deu certo. – você precisa dormir.

-Você vai ficar aqui?

-Quer que eu fique?

-Não vou obrigar você, mas se quiser pode ficar.

-Não, melhor não. Outro dia.

-Sempre outro dia.

-Sempre. – murmurou perto do meu ouvido. Sem dizer mais nada ou fazer barulho algum, saiu pela janela com sua capa, capuz e máscara.

Definitivamente não poderia ser um inimigo, se fosse teria me matado e era jovem de mais para saber o que sabia. Mas quem era ele? Estava quase arrancando os cabelos pra saber. Fiquei tentando adivinhar até o sol nascer. Nunca fui observadora e com certeza não notaria lábios um pouco tortos, mas ainda assim sensuais e bem feitos. Quem diabos notaria isso? E poderia ser uma sobra, pois a única coisa que iluminava o quarto era uma vela aromática acesa na cômoda.

Sussurros na EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora