Chesterton levantou-se de sua poltrona e retirou seu terno. Suspirou profundamente, como quem está cansado, e disse.
- Nossa conversa é excelente, caro Rafael, mas preciso ir. O padre Dolan está à minha espera esta noite, e não posso me atrasar de maneira alguma.
Dizendo isso ele se retirou da sala e deixou a porta entreaberta. Olhei fixamente para o crucifixo que estava pendurado à porta e comecei a pensar a respeito de tudo o que conversamos. Foram vinte os vampiros mortos pelas mãos de Chesterton até o momento, e a caçada ao vigésimo primeiro estava prestes a começar. Por que será que eles não optam pela cura, mas sempre pela morte? É difícil compreender o orgulho humano.
Chesterton passou a vida toda estudando o vírus e descobriu uma forma de tratá-lo e curá-lo. Ele acreditava que o vírus é que devia ser combatido, e não as pessoas. Sempre que capturava um vampiro ele lhe oferecia a possibilidade de se curar e deixar para trás a vida de trevas que o vampirismo lhe obrigava a viver. No entanto, até hoje nenhum deles aceitou ser curado. Todos preferiram morrer a perder os poderes e privilégios dados pelo vírus.
Cada vampiro morto é, para Chesterton, uma vida que se perde. Ele, inclusive, não gosta nem de ser chamado de caçador de vampiros. Quase todos os dias ele diz que seu objetivo não é matar vampiros, e sim erradicar o vírus. No entanto, às vezes é preciso matar para evitar males maiores.
O senhor Chesterton sofre, assim como Cristo também sofreu por ser incompreendido. Sua idade já é avançada para o ofício e ele ainda não conquistou seu objetivo como caçador. Por isto está passando o que sabe para mim, a fim de que eu possa continuar o trabalho que ele começou.
Fechei meus olhos, respirei fundo e levantei-me também. Fui até meus aposentos e preparei-me para dormir, pois a hora já era avançada e o whisky me subira à cabeça. O senhor Chesterton acolheu-me em sua casa de forma muito hospitaleira. Cedeu-me um quarto amplo, com uma larga cama e um closet, e também um banheiro privativo, cujo acesso só era possível de dentro do quarto.
Tudo era da melhor qualidade em sua casa. A mobília era riquíssima, em estilo rústico, com a maioria das peças fabricadas em mogno. Os serviçais eram muito prestativos e nunca se atrasavam em suas tarefas. Sua casa era enorme, uma mansão. Somente o jardim na parte externa tinha cerca de mil metros quadrados. Eu jamais teria tamanho luxo e conforto em meu pequeno apartamento no subúrbio. Tudo aquilo era herança de família, coisa que Chesterton recebera de seus próprios pais quando ainda era jovem.
O ofício dele também era parte dessa herança, já que o pai e também o avô eram caçadores profissionais. Chesterton, no entanto, era um verdadeiro prodígio nessa arte. Seu conhecimento sobre o assunto e suas habilidades práticas até hoje nunca foram igualadas por ninguém. Nem mesmo no passado é possível encontrar um caçador com tamanha habilidade e esperteza. Os que mais mataram não chegam a atingir metade dos números que Chesterton possui.
Resolvi deitar-me, mas o sono não me acompanhou. Fiquei acordado até o início da madrugada, quando Chesterton chegou de sua visita ao padre Dolan. Ele ainda passou mais algum tempo na sala de estar, provavelmente fumando mais um ou outro cigarro, e depois foi para seu quarto. Aquele clima me preocupava um pouco. Nossa investigação começava amanhã e haviam grandes chances de que eu encontrasse um vampiro pela primeira vez em minha vida dentro de poucos dias ou semanas. Era a hora da verdade, de por todos aqueles meses de estudos e treinamentos à prova.
Achei por bem levantar-me e ler um pouco antes de dormir. Escolhi um dos diários que vinha estudando no último mês e acendi a lamparina.
O registro falava sobre uma caçada ocorrida pelo fim do século XIX, quando ainda não possuiam nem mesmo carros. O caçador era um tal de Joseph, dos Estados Unidos, acompanhado por seu aprendiz, coisa comum entre os caçadores. O aprendiz chamava-se Caleb, e o rapaz estava em sua primeira caçada. A similaridade da situação descrita no diário e meu atual estado era tão grande que não pude deixar de pensar que aquilo fora planejado ou forjado por alguém. Como é possível tamanha coincidência?
Esfreguei os olhos e continuei a ler, agora com atenção e interesse redobrados. Joseph retratava sua perseguição de três dias pela floresta, onde a criatura havia se escondido. O vampiro estava sedento e muito enfraquecido devido à falta de alimento, mas os dois caçadores ficavam pouco atrás. Era uma luta de vida ou morte. Os caçadores não podiam perder o rastro da criatura, pois corriam o risco de que ela encontrasse uma presa e recuperasse as forças perdidas. O vampiro, sedento e com medo da morte, investiu num último ataque contra os caçadores a fim de se alimentar. A atitude prematura e impensada fez com que ele caísse nunca armadilha e ficasse preso por uma das pernas. Caleb, percebendo que o vampiro ainda podia se soltar, arriscou a sua vida segurando a criatura pela outra perna com as próprias forças. Joseph carregava em suas mãos uma besta pronta para disparar a flecha que mataria o maldito, mas o vampiro conseguiu se desvencilhar a tempo e a flecha disparada acabou por atingir seu aprendiz, ferindo-o de morte.
A criatura das trevas disparou em fuga assim que a flecha feriu o peito de Caleb. A caçada de mais de três dias terminou da pior maneira possível: o vampiro fugiu com vida e o aprendiz não resistiu ao ferimento, expirando em poucos minutos.
Fechei o livro naquele mesmo instante e fiquei ainda mais inquieto e pensativo. O silêncio da madrugada foi interrompido pelo barulho de uma forte chuva que começou a cair. A luz de um relâmpago iluminou todo o quarto, expondo meus medos que estavam ocultos nas sombras.
Deitei-me novamente e permaneci paralisado, olhandopara o vazio. Aos poucos, enquanto minha cabeça viajava em pensamentos, o sonofoi chegando e pude descansar meu corpo.
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O Vigésimo Primeiro Vampiro
VampireE se você descobrisse que os vampiros realmente existem, só que são um pouco diferentes da imagem que temos através livros e filmes de ficção? Rafael, um jovem estudante de jornalismo, enfrenta justamente essa situação que colocou em xeque toda a re...