A luz do Sol atravessou as janelas do quarto e atingiu meu rosto, despertando-me de meu sono. Acordei encharcado de suor, ainda mais cansado do que estava quando fui me deitar. A noite não me fez bem.
Chesterton já estava de pé àquela hora. Pude vê-lo caminhando pelo jardim através da janela, fumando seu cachimbo costumeiro de toda manhã, sagrado para ele. Ele andava lentamente e expelia a fumaça como quem lançava mil pensamentos ao ar, a espera de uma inspiração que o motivasse.
Vesti-me e desci as escadas para fazer o desjejum. A mesa estava muitíssimo bem servida e todos alimentos e bebidas ainda estavam frescos. Fartei-me, pois o dia seria longo e pesado, e eu precisava permanecer forte durante todo o tempo. O chefe dos criados, chamado Borges, deu o sinal para que fossem tiradas as coisas da mesa assim que me retirei. Era um velho de confiança, funcionário da casa há mais de quarenta anos, e o único que sabia a respeito da existência dos vampiros e do ofício da família. Tinha uma aparência calma e serena, com um bigode branco avantajado e poucos cabelos. Era a ele que eu sempre recorria quando não entendia os mistérios do senhor Chesterton. Borges o conhecia como ninguém e sempre tinha uma resposta pronta para minhas perguntas.
- Jovem mestre, o mestre Chesterton pode ser o mais experiente e mais habilidoso de todos os caçadores, mas dentro de seu coração mora um medo tão grande quanto o do senhor. Ele teme a morte que o espreita em cada caçada, teme muitas outras coisas também, e agora teme pelo senhor, jovem mestre.
Ele fez uma breve pausa enquanto recolhia os pratos da mesa e depois continuou.
- A caçada começará em breve, jovem mestre. O mestre Chesterton já está se preparando para o que virá. Se me permite um conselho, o senhor deveria fazer o mesmo.
Ele se retirou carregando pratos e talheres nos braços, em direção à cozinha da casa. Eu permaneci ali, refletindo sobre aquelas palavras e aquele conselho que acabara de ouvir. Chesterton realmente estava preparando seu espírito para o combate que estava próximo de começar.
Sairíamos no início da tarde e eu tinha poucas horas para fazer minhas malas. Voltei aos meus aposentos e organizei tudo o que precisava levar comigo para a viagem, desde roupas até os materiais de caça. Escolhi alguns dos diários e um tratado sobre vampirismo para estudar acaso sobrasse algum tempo livre durante a viagem e desci até a sala principal para aguardar o senhor Chesterton.
Ali permaneci até que o senhor Chesterton chegasse. Ele desceu as longas escadas em formato de caracol enquanto um criado lhe trazia as malas. Eram somente duas: uma grande, que provavelmente continha roupas, e outra menor, uma espécie de maleta de couro, bastante gasta. Ele olhou para mim com um largo sorriso no rosto e disse.
- E não é que o jovem Rafael já está à minha espera? - Gargalhou em alto som. - Vamos, meu caro, vamos! O motorista nos aguarda para conduzir-nos até o aeroporto.
Tomei minhas malas nas mãos e o acompanhei até o veículo. Ele possuía vários carros, um para cada circunstância. Este era um preto, muito discreto, ideal para a situação. O criado guardou nossas malas e nós entramos no carro. O senhor Chesterton adorava música clássica, e ordenou ao motorista para que ligasse uma sinfonia de Beethoven para que ouvíssemos no caminho.
Chegamos ao aeroporto em poucos minutos e embarcamos em nosso voo já reservado, sem nenhum atraso. Aproveitei para registrar em meu diário as experiências dos últimos dias enquanto estávamos dentro do avião, e assim que terminei de escrever, tomei um dos diários nas mãos e comecei a ler. Era um dos melhores que eu já tinha lido nesse período de seis meses, escrito por um caçador da década de cinquenta.
Uma mulher, muito bela, havia chegado recentemente à cidade. Era loura, altiva e de beleza sedutora. Fez com que todos os homens da cidade a desejassem. Hospedou-se num hotel barato, próximo a um bar que passou a freqüentar durante a noite. Foi assim por três noites, e três homens, moradores da região, um solteiro e dois casados, misteriosamente desapareceram, um a cada noite. O caçador, cujo nome era Heitor, logo desconfiou que a estranha mulher que só saía da hospedagem durante a noite fosse uma vampira e decidiu armar uma emboscada para ela.
Naquela noite, a quarta desde a sua chegada à cidade, Heitor deixou a barba por fazer e dirigiu-se ao bar onde a vampira iscava suas vítimas. A moça estava rodeada de homens de todas as idades, casados e solteiros, todos querendo seus beijos de amor. Manipulados pelo desejo, não faziam idéia do tipo de criatura com quem estavam lidando.
Heitor sentou-se ao piano e tocou uma linda canção. Fez questão de se alimentar bem e expor pulsos e pescoço, a fim de atiçar os instintos da vampira. - sua estratégia volta contra si mesma. - Todos aplaudiram de pé a apresentação e pagaram-lhe uma rodada de bebida.
Depois disso bastou a ele esperar sentado ao balcão e a mulher não demorou a aparecer. Demonstrou-se muito interessada nele: a armadilha havia funcionado. Em meio a conversas e bebidas, Heitor cortou-se propositadamente com sua faca. Os olhos da vampira saltaram de desejo ao ver o sangue fresco fluindo pelo corte.
- Não foi nada. - Disse Heitor.
- Como assim? Você se feriu. Venha comigo até meus aposentos que lhe farei um curativo.Heitor seguiu a moça até a hospedaria em que ela havia se instalado, já com seu plano em mente. Eles adentraram ao quarto e a jovem mulher começou a usar de seus charmes para seduzir Heitor. Ele a abraçou, como um homem apaixonado, e lhe sussurrou aos ouvidos.
- Até que tu és uma bela mulher para quem já tem mais de cem anos.
E dizendo isso a apunhalou com uma faca embebida de sangue animal, um verdadeiro veneno para quem possui o vampirismo. O vírus só sobrevive se alimentando de sangue humano, e quando consome sangue animal morre em poucos minutos. Morrendo o vírus também morre o hospedeiro, já que sem os benefícios dele o corpo não se sustenta.
A jovem moça não pode sequer reagir. O vírus começou a morrer rapidamente e ela não tinha forças nem mesmo para levantar-se ou dizer suas últimas palavras. Seu rosto envelhecia rapidamente, suas presas afiadas caíam uma a uma e ela as segurava nas mãos, gritando de dor. Em dois ou três minutos a jovem moça, linda e exuberante, se transformou numa velha esquelética, prestes a morrer. Heitor sentiu compaixão e lhe deu o golpe de misericórdia, acabando de uma vez por todas com o sofrimento da criatura.
Os três homens desaparecidos estavam trancafiados dentro de um armário de roupas, espremidos, um por cima do outro. Felizmente estavam todos vivos, mas seria muito improvável que se recordassem de algo. Heitor os deixou próximos ao bar, durante a madrugada, e também lançou o corpo da criatura ao rio para que ninguém desconfiasse da existência de um vampiro na região.
O feito se espalhou rápido pelas cidades e Heitorficou conhecido pela alcunha de "O Manipulador de Desejos".
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O Vigésimo Primeiro Vampiro
VampirosE se você descobrisse que os vampiros realmente existem, só que são um pouco diferentes da imagem que temos através livros e filmes de ficção? Rafael, um jovem estudante de jornalismo, enfrenta justamente essa situação que colocou em xeque toda a re...