Um Copo de Whisky

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Ele reclinou em sua poltrona de couro legítimo e procurou pelo isqueiro em seus bolsos. Era o terceiro ou quarto cigarro que ele acendia só naquela hora. Fumava um atrás do outro sem se preocupar em disfarçar a inquietação que sentia, que era como a de quem aguarda pela chegada de alguém. É claro que ele não esperava ninguém, não naquela noite, mas a ansiedade se devia a outros motivos mais importantes.

A lareira acesa aquecia a sala de estar e repelia o frio do inverno. Lá fora faziam dez graus, mas aqui dentro nos sentíamos como que numa tarde de verão. O silêncio era total; o único ruído que se ouvia era o crepitar das chamas na lareira, e nada mais. O riscar da pederneira do isqueiro ecoa pela enorme sala: e que sala! Toda a mobília era feita em mogno maciço da melhor qualidade, coisa de marajá. As estantes cheias de livros, alguns quadros pendurados na parede e uma pequena escultura na mesinha central davam o toque artístico do local. As janelas eram compridas e abundantes, distribuindo-se por todo o comodo, exceto pela parede que dava acesso ao corredor da casa. Todas estavam fechadas por conta do frio, mas através das cortinas de tecido nobre era possivel ver as gotículas de água condensadas nos vidros, o que evidenciava a diferença de temperatura entre o ambiente interno e externo.

Enquanto ele permanecia imerso em seu silêncio reflexivo, eu arriscava ler um romance sobre lobos e vampiros, um desses populares nos dias de hoje. Ele demorou um pouco mais do que o usual, mas logo protestou contra o que eu lia e, levantando-se de sua poltrona, revirou alguns títulos nas prateleiras da estante. Puxou um bastante empoeirado, de capa dura e rica em detalhes. Estendeu o livro em minha direção e disse.

- Toma e lê.

Peguei o livro em minhas mãos e ele prosseguiu.

- Se for para ler um livro imaginativo, ao menos leia um que seja bom. Este não decepciona nem o mais rigoroso dos críticos literários.

Olhei bem para a capa de cor marrom avermelhada e tirei o excesso de poeira com as mãos. Em letras douradas lia-se: "Drácula". Era o famoso livro de Bram Stoker, mas numa edição bem velha e incomum. Devia ter uns cinquenta anos ou mais, a julgar pela aparência e estado do exemplar; provavelmente deve ter pertencido a algum familiar distante. Abri o livro e comecei a folheá-lo. A linguagem remete à década de sessenta, quando se usavam acentos em palavras onde hoje não se usam mais.

- É um verdadeiro clássico da literatura ocidental. Um cavalheiro não pode passar por esta vida sem ler livros como este, senão sua existência seria um tolo desperdício. Deixe de lado esse amontoado de lixo modernista e aprecie um pouco da verdadeira arte.

É claro que eu já havia lido aquele livro antes, pois já faziam seis meses que ele estava me ensinando sobre essas coisas. Chesterton, como era chamado, queria que eu lhe herdasse o ofício de caçar criaturas das trevas, e por isso vinha me preparando os conhecimentos para o que, no futuro, eu teria de enfrentar sem a ajuda dele. A curiosidade então foi mais forte do que eu e a pergunta praticamente saltou para fora de minha boca.

- O que há de verdade sobre as criaturas nestes livros, Chesterton?

- Poucas coisas, a maioria delas lendas criadas a partir de verdades distorcidas com o passar dos séculos.

- Então quer dizer que alguma verdade a respeito deles era sabida?

- Sim, mas depois se transformaram em superstições sem validade prática. Várias delas você encontra nesses livros, tanto no moderno quanto no clássico, com a diferença de que o clássico é mais bem escrito.

- Podes falar sobre algumas delas?

- Mas é claro que sim. No livro de Bram Stoker os reflexos dos vampiros não aparecem nos espelhos, por exemplo. Isso é pura superstição a respeito dos vampiros, pois seus reflexos podem ser vistos normalmente em qualquer espelho. Não passa de um mito. Outra coisa falsa é a questão dos venenos. Vampiros não possuem veneno algum, mas contaminam as pessoas de outra maneira.

O Vigésimo Primeiro VampiroOnde histórias criam vida. Descubra agora