Despertei no dia seguinte com alguém acariciando meus cabelos e chamando meu nome baixinho, e com um cheiro forte de café próximo ao meu nariz.
Abri os olhos para ver o rosto afetuoso de minha tia emoldurado pela luz do sol que entrava pela janela do meu quarto.
"Quem me trouxe pra cama?" perguntei, meio confuso enquanto lutava para sentar.
"Seu primo, meu bem." seus dedos eram gentis em meus cachos revoltosos. Ela se manteve em silêncio enquanto eu tomava o café e acordava propriamente. O cheiro da bebida mal disfarçava o cheiro familiar dela, do perfume vago e floral que sempre usava e do pó para rosto que compartilhava com minha mãe.
Minha mãe. "Cadê a mamãe?" perguntei quando terminei a xícara e a pousei no criado-mudo ao meu lado. Laura suspirou um pouco, os ombros caindo. Uma lágrima se formou rapidamente, escorreu pela sua bochecha - ela a enxugou com delicadeza, depois tocou meu rosto com afeição.
Olhei-a diretamente, como se a visse pela primeira vez. Senti alívio por ela não parecer com meu pai. Tampouco meu tio parecia. Vindos os três do mesmo ventre, eram completamente diferentes, mesmo os dois gêmeos. Meu pai, o mais velho, de faces mais suaves, desenhadas em papel macio, voz doce, o mais amado pela mãe e pelo pai. Lorenzo, de rosto esculpido em um mármore difícil e teimoso, bonito mas duro demais para ser tão deleitoso ao olhar da mesma maneira, nunca se importou com a óbvia preferência, mais do que satisfeito em ser o preferido do irmão mais velho em questão. Laura, meio deixada de lado, vaporosa e feminina, sempre feliz com várias pessoas de fora, amigos e amantes, que a forneciam um amor afetuoso que, embora não fosse tão profundo como o de seus irmãos, certamente parecia mais presente.
"No quarto. Talvez você devesse falar com ela, Ali." ela me beijou os cabelos, apertou minha mão e saiu do quarto, fechando a porta levemente atrás de si.
Pus meu edredom ao redor de meus ombros - era um peso macio e confortável contra minha pele nua. O sol brilhava forte do lado de fora, mas eu sabia que era só mentira, que ele estaria lá apenas por algumas horas antes de dar lugar à chuva como agulhas frias que certamente cairia no final da tarde.
Esperei ainda vê-lo entrar depois de bater levemente na porta, entrar e sentar ao meu lado na cama e beijar minha testa e me chamar para uma caminhada ao longo da nossa rua. Esperei que ele me chamasse e nós fôssemos, eu sempre com o casaco que pegava emprestado dele, por ser bem maior que eu e me dar uma maravilhosa sensação de conforto. Nós iríamos e ele falaria sobre as notícias do dia, das mais banais às mais importantes, e me empurraria para seguir adiante quando eu quisesse bater boca com nossa vizinha devido aos olhares de soslaio julgadores que ela sempre disparava em nossa direção - eu sempre queria. Voltaríamos para casa e tomaríamos café juntos em seu escritório, e trocaríamos ideias sobre livros até que fosse a hora de ele ir ao trabalho e de eu sair para dar minhas aulas.
Ele não veio. Mordi o lábio - a dor me ajudou a levantar e a me arrastar para o banheiro.
Quando saí do quarto, os cabelos molhados do banho, passei pela frente do quarto de minha mãe. Parei na frente da porta, o coração mal seguro na mão - bati levemente. Tentei evitar o padrão que meu pai fazia para bater.
"Mãe?" chamei, a boca próxima da fechadura.
"Agora não, Ali." ouvi sua voz abafada e rouca. Estivera chorando, eu sabia. Estivera chorando desde ontem.
"Mãe." chamei ainda mais uma vez - a palavra saiu implorada e sentida, e me arrependi da quantidade de emoções que nela vieram impressas no segundo que a pronunciei.
"Alexei! Véte de acá!" exclamou ela. Dei um pulo para trás devido à altura de sua voz e ao súbito espanhol que, em minha mãe, só surgia em momentos de grande perturbação. Escutei vagamente ela disparar a soluçar novamente, soluços profundos e quebrados, como se arrancados de sua garganta - meu coração contraiu-se, mas não tive coragem de entrar à força e obrigá-la a falar comigo. Sentia-a mais distante que nunca. Sentei-me no chão ao lado de sua porta, deixei minha cabeça pender para trás. Fechei os olhos. A lágrima veio quente e densa, mas não ousou descer.
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Por isso eu te amava
Ficțiune generalăAli pode ser definido pelas coisas que ama: livros, seu velho piano, sua família, seus dois melhores amigos. E, acima de tudo, acima do mundo inteiro, seu pai, Heitor. Quando o cadáver de Heitor é encontrado em uma praça da pequena cidade aonde vive...