Os Dragões

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No interior da espessa nevoa que se alastrava nas margens de um riacho, surgiu a embaçada figura de um velho, o qual segurava um cajado com uma de suas mãos e com a outra apontava ao Leste. Sua barba era longa e grisalha e seus olhos fulminavam um tom avermelhado que transparecia a densidão. Ele balbuciava palavras inalcançáveis mas que podiam ser ouvidas ao passo em que a nevoa se dispensava: "Leste, raízes, céu, dragões..." ─ e por fim, quando a nevoa se dispersara por completo, ouviu-se: "morte!".

Venetian, ao abrir os olhos, não enxergava por conta da fumaça sufocante que pairava sobre o seu rosto. Levantou-se abruptamente e a abanou com a palma de sua mão. Logo ao seu lado o fogo da fogueira crepitava faíscas tão vermelhas quanto os fios de seu cabelo. Ele inalou o delicioso cheiro de um peixe-assado, o que fez o seu estomago roncar e a boca secar. Não comia ou bebia há dias.

Depois de recuperar parcialmente a consciência, observou o ambiente ao seu redor: era um local fechado, escuro, úmido e pequeno. Uma fenda de luz em sua extremidade denunciava a saída que levava a um riacho, provavelmente o mesmo que caíra em outrora. Era uma gruta, não tinha dúvidas. Perguntou-se por Melyn, mas ao se lembrar do peixe que estava a ser assado, imaginou que seria de sua obra. E a fome, mais uma vez, socou-lhe o estômago.

Ansioso, sentou-se diante da fogueira e pegou com as mãos o peixe que estava nas brasas, devorando-o com duas mordidas. Ao fitar o fogo com seus olhos grandes e avermelhados, por um instante achou ter visto algo parecido com asas batendo, mas a sua atenção foi tomada ao perceber que a luz em suas costas havia se apagado, indicando a presença de alguém perante a entrada da gruta. Ele levantou e virou-se, defrontando-se com Melyn que segurava uma vasilha de madeira transbordando de água. Melyn soltou a vasilha e correu ao seu encontro.

─ Venetian! – disse Melyn, entusiasmada. E parou em sua frente. ─ Como está? Você dormiu por três dias... Achei que nunca mais fosse acordar.

Venetian sentou-se novamente e Melyn o espelhou. Os olhos amarelados de Melyn fitavam cada centímetro de seu rosto.

─ Três dias? – ele disse, espantado. ─ Estou bem, mas acho que a vasilha com a água que eu tanta ansiava não sente o mesmo.

Eles riram.

─ Sério, eu estou morrendo de sede. Ah, e o riacho escorre ao Leste, não é? Precisamos segui-lo.

─ Sim.

─ Não perguntará o por quê? – perguntou Venetian.

─ Não – respondeu Melyn. ─ Irei aonde você for, sem contestá-lo.

Então eles seguiram o riacho que escorria ao Leste, lado-a-lado. Era pouco menos de meio dia, mas os bosques que rodeavam as margens eram sombrios como a noite. Vez ou outra gramequins, snarks e unicórnios que estavam a beber batiam imediatamente em retirada ao vê-los. A água aparentava uma escassez cada vez mais evidente e a floresta obliterava-se, até que chegaram ao final da correnteza e se depararam com um penhasco; a pouca água que chegava até ali, caia lá embaixo. Eles aproximaram-se ao máximo da extremidade e perceberam que não era tão alto como imaginavam e raízes deslizavam até a planície. Ainda não era o final da jornada.

O penhasco exibia um magnífico vale rodeado por montanhas, era plano, com pouca vegetação e muitas rochas em compensação. Concebendo claramente a visão do seu inicio ao fim.

─ Vamos descer? – perguntou Melyn.

─ Não. Ainda não ─ respondeu Venetian, sentando-se. ─ Não há nada lá embaixo.

─ Então por que viemos?

─ Eu sonhei que deveríamos vir para cá. Senta aí, vamos esperar um pouco.

As Criaturas da Floresta [Revisando]Onde histórias criam vida. Descubra agora