Capítulo 1

154 14 2
                                    

Era uma tarde de outono, as folhas alaranjadas das árvores já caiam tão lentamente no chão como se não quisessem cair, e, embora o vento fosse frio, naquela tarde sentia o calor do sol me envolvendo.
Da janela da sala de estar pude ver Vicente saindo de sua casa e atravessando a rua, vou em direção a porta, já sabendo que ele viria a bater.

- Loirinha! - Ele me abraça e eu posso sentir o cheiro do seu perfume invadir a casa.

- Oi! - Falo retribuindo o abraço.

- Precisarmos conversar... - Ele fala um pouco desanimado, já me deixando preocupada.
Afirmo com a cabeça e pego em sua mão, guiando-o até as escadas, para que pudéssemos ir até meu quarto.
Sento-me na cama e indico para que ele feche a porta e sente também, e assim ele faz.

- O que aconteceu? - pergunto impaciente.

- Clara... - Ele fala e faz uma pausa.

- Fala Vicente! - Peço já com os olhos marejados, tendo ideia do que ele estava prestes a falar.

- Eu não queria que fosse assim, você sabe! Eles estão me obrigando a ir! - Ele fala também com os olhos cheios de lágrimas.

- Eu sei... - Falo deixando as lágrimas caírem e me deitando de costas para ele.
Ele deita-se, encaixando o seu corpo ao meu e me envolvendo com seus braços.

- Eu sinto muito... - Ele fala.

Ficamos um bom tempo em silêncio, até que tomo coragem para falar.

- Promete que vamos manter contato? - Pergunto.

- Por tudo que é mais sagrado! - Ele responde sem exitar. - Promete que não vai esquecer de mim?

- Nunca! - Respondo em meio as lágimas, um pouco surpresa pela sua pergunta idiota, afinal, como eu o esqueceria?

Sinto seus braços me envolvendo com mais força e, depois de me acalmar, finalmente consigo pegar no sono.

Essa foi a ultima vez que eu o vi, que senti seu abraço. Ele nunca gostou de despedidas, quando acordei ele já não estava mais lá.

Vocês devem estar imaginando "Poxa! Que trágico! Mas o que tem de tão importante nisso?". Pensando desse modo, sim, você tem razão, afinal, eu tinha apenas 15 anos e, a princípio, era apenas uma mudança temporária e nada me impediria de continuar, fazer novos amigos, enfim, o que uma adolescente normal faria. Mas vendo essa situação do meu ponto de vista, você está redondamente enganado... Já faziam 3 malditos anos e nós continuávamos nos falando, todos os dias. Era bom, eu sentia uma falta enorme dele, mas as conversas compensavam. "Logo estarei de volta!" ele sempre falava, e eu queria acreditar, mas alguma coisa estava estranha, ele dizia que tinha que resolver alguns problemas antes de voltar e que "estava tudo bem", deve ser legal na Alemanha.

Eu consegui me acostumar com a sua ausência, pois sabia que toda noite, uma mensagem sua estaria a minha espera, e eu segui em frente, realmente, fiz novos amigos e completei o ensino médio, mas laços muito fortes me prendiam a ele, e o pior de tudo é que eu não sabia quando o veria de novo, se é que eu o veria novamente.

Que ironia, lembranças felizes me faziam chorar, e são muitas as lembranças que tenho. Passamos por cada fase da nossa infância juntos e, pode acreditar, foram várias...

Mas, enfim, a vida tinha que continuar, por mais complicado que fosse, tínhamos que seguir. Esse ano eu comemoraria meu décimo nono aniversário (enquanto Vicente completaria 20 anos), e iria começar a faculdade (imagino que ele também, pois repetiu de ano na sétima série, o que nos deixou ainda mais próximos por estarmos na mesma turma), nós tínhamos acabado de tirar a carteira de motorista e já estávamos fazendo vários planos de viagens.
Sim, eu sempre volto meus assuntos para ele, mas isso se deve ao fato do forte laço de amizade que temos, sabemos tudo um sobre o outro e, embora ele estivesse um pouco estranho de umas semanas para cá, o nosso relacionamento continua igual, sinto que precisamos um do outro para continuar, principalmente pela distância entre nós.

Mas vamos deixar isso tudo um pouco de lado, afinal, hoje seria meu primeiro dia de aula e eu estava muito empolgada. Levantei da cama super disposta, fui até o banheiro, fiz minha higiene e voltei para o meu quarto para me vestir. Coloquei meu uniforme e desci as escadas para tomar café da manhã.
Antes que eu entrasse na cozinha, em cima de um balcão, vi um porta-retratos com uma foto minha e do Vicente com 6 anos de idade em uma tarde de verão que estávamos tomando banho de mangueira no quintal da sua casa. No mesmo instante, esse dia me veio a cabeça, e me deixou sorrindo à toa, éramos criancinhas sorridentes e gordinhas e era a coisa mais divertida que fazíamos em dias quentes como aquele.
Cheguei na cozinha e vi meu pai já com a sua xícara de café e seu jornal em mãos, como de costume, e minha mãe preparava panquecas, éramos uma família muito tradicional e consideravelmente feliz, sou filha única e, por todos esse anos, Vicente tomou conta do papel de "irmão mais velho".

- Bom dia mãe! Bom dia pai! - Falo sentando à mesa.

- Bom dia filha! - Fala minha mãe beijando minha testa e me entregando um prato de panquecas.

Logo meu pai levanta para ir trabalhar, deixa o jornal em cima da mesa e leva a xícara até a pia, se despedindo de minha mãe com um beijo. Quando ele vem até mim, antes que ele possa se despedir, lembro-me de um detalhe.

- Pai... - Começo a falar mas ele me interrompe antes que possa pedir.

- Sim! Eu te empresto o carro hoje a noite! - Ele fala sorrindo, beija minha testa e bagunça meu cabelo em seguida, como fazia quando eu era criança.

- Obrigada!!! - Falo com um sorriso enorme e o abraço.

Ele pega sua pasta e sai pela porta.

- E ai? Empolgada com hoje a noite? - pergunta minha mãe querendo puxar assunto.

- Muito! - Respondo e ela sorri.

Termino de tomar meu café e me despeço dela com um beijo, saio pela porta e dou de cara um um caminhão de mudança que está em frente a antiga casa do Vicente, que por acaso estava à venda desde que a Sra.Bayle, a última moradora, foi embora.
Não dou muita atenção pois já eram quase oito horas e eu tinha que ir para o trabalho.
Ah, esqueci de mencionar, a uns dois meses atrás consegui um emprego em uma cafeteria que fica no Centro da cidade, não muito longe da minha casa.
Chego na hora certa e logo vou em direção ao balcão, onde encontro Vanessa e Alex, que trabalham junto comigo e que, de uns tempos para cá, vem sendo meus melhores amigos.
As horas passam rapidamente, quando vejo já são 11h45, hora do almoço. Nós três almoçamos em uma lanchonete no shopping que tem ali perto. Durante a tarde não teve tanto movimento, o que fez com que as horas passassem mais devagar. Saímos de lá as 17h e eu fui direto para casa para me arrumar para a faculdade.
Chego em casa e destranco a porta, entro e, ao me virar para fechar, percebo que o caminhão não está mais ali. Fecho a porta e subo as escada em direção ao meu quarto. Organizei meus cadernos e livros na bolsa e fui para o banheiro, tomei um banho rápido e fiz minha higiene. Voltei ao quarto enrolada em uma toalha e decidi colocar um jeans, uma blusa florida e uma jaqueta jeans, deixando meus cabelos loiros cairem sobre meus ombros.
Ouço batidas na porta e logo a abro, era meu pai que havia chegado sem eu nem perceber. Ele me entrega as chaves do carro e eu lhe dou um beijo na bochecha.

- Vai com cuidado e dirija devagar! - Ele recomenda.

- Tá bom, pai! - Respondo.

- Eu te amo filha! - Ele fala puxando a porta.

- Também te amo! - Falo antes que a porta se feche.

Já eram 18h50 e a aula começava as 19h30, resolvi sair de casa para não correr o risco de me atrasar. Não tenho tempo de me despedir de minha mãe pois hoje ela faria plantão no hospital, ela é enfermeira, então despeço-me de meu pai e saio.
Dirijo tranquilamente até a faculdade e deixo o carro no estacionamento.
Entro no prédio e caminho pelo enorme corredor enquanto tento achar a minha sala de aula e, quando finalmente encontro, fico ainda mais animada com essa ideia.

E Se For Amor?Onde histórias criam vida. Descubra agora