- É uma mochila! Viva! - Vibrava com toda energia possível contida naquele minúsculo corpo de cinco anos. Ganhei da minha mãe uma mochila verde-oliva. Estava na prateleira do estabelecimento comercial de minha família, mas ninguém quis saber de comprar.
Faltava ainda um ano para a pré-escola, mas, com aquele presente nas costas me sentia igual o adolescente da novela
das sete, que mascava chiclete, usava bandana e calçava all star cano longo. Fui até o balcão do bazar. Apanhei estojo, lápis,
régua, caneta, linha de anzol, borracha, durex, dedais, caneca, caminhãozinho, saca-rolha e pus tudo na mochila. Como não
sabia direito o que se usava na escola, para estudar, incluí as peças que julgava serem úteis. A intenção era evitar imprevistos.
Fui a pé até a escola. Devia ser umas dez da manhã. Saltitava, cantando música do Balão Mágico. As pessoas na rua me olhavam intrigadas, não sei se por estar portando mochila bem maior do que a apropriada para meu tamanho, ou se por estar descalço.Talvez o fato de eu estar sujo também pudesse ser motivo para o espanto delas. Minutos antes de ganhar a mochila, eu brincava na terra, fazendo castelos e bolinhos de lama.
Atravessei a praça, chegando à escola que eu passava sempre em frente. Até então, aquela era a única que eu conhecia. Ficava no meio da praça central. Na verdade era uma edificação com uma sala apenas. Anos mais tarde, quando me tornei um aluno da rede estadual, descobri outras escolas bem maiores, com várias classes. Como de costume, a porta estava aberta e os alunos, bem mais velhos que eu, todos sentados às carteiras, prestavam atenção à explicação dada pela professora. Eu caminhava sempre por ali, acompanhado da empregada, quando íamos à padaria. Ao passar próximo da porta aberta da sala, atrapalhava a atenção de alguns de forma peculiar: fazia
barulho de peido com a boca e mostrava a língua para eles em seguida.
Mas daquela vez, quando cheguei à porta, não foram dois ou três os que olharam para mim, mas TODOS. A professora parou a explicação e, abobada, olhou também para aquele garotinho cabeludo, miúdo, descalço, com os pés cheios de lama de mochila nas costas. "Que bonitinho! Você veio estudar com a gente, mocinho?". A turma gargalhou alto. Eu murchei as bochechas e fui embora.
Chegando em casa, guardei a mochila no guarda-roupas e peguei a bola de capotão, querendo ir ao campinho jogar. Minha mãe bronqueou.
- Onde é que você estava, Gabriel? - eu tinha sumido de casa. Não era à toa que ela estava de cabeça quente e vermelha como
uma jurupica.
- Fui "na escolinha". - Expliquei, quicando a bola. A cara de brava deu lugar à de espanto.
- Você foi À ESCOLA?!
- É, mas não fiquei. Tava muito chato lá.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Franja, ki-chute e estilingue
Short StoryO "Franja" é uma coleção de memórias de minha infância. Conto sobre a desilusão que tive ao participar de gravação do Xou da Xuxa, travessuras na escola, devaneios infantis, entre outros temas. Escrevi, inicialmente, para treinar a escrita e a memó...