Se não me falha a memória, o "Cinema em Casa" foi ao ar pela primeira vez em 1988. A nova atração era exibida no SBT, que, na época, ainda era conhecida como "TVS". Em seus programas, Silvio Santos fazia propaganda dos filmes. Recomendava-os animado, dizendo: "é um bom filme. Não percam!". E eu suei frio, tremi quando assisti à chamada de estreia do quadro, que anunciava os nomes dos primeiros a serem exibidos. Entre eles, "Rambo -programado para matar", o primeiro da série.
Eu já havia assistido o segundo filme da série, "Rambo 2 - a missão", na Rede Globo, poucos dias antes. Não entendi direito a cena do início. Rambo quebrava pedras e suava muito. Achei que fosse a profissão dele. E pensei que os caras que vestiam farda e portavam metralhadoras fossem seguranças do local de trabalho. Foi assistindo ao primeiro, anos mais tarde, que entendi que se tratava de uma prisão e por que diabos Rambo foi parar lá.
Sacrifiquei o horário do sono para acompanhar na TV o personagem que era meu super-herói preferido. Até então eu conhecia apenas o desenho animado, exibido na Rede Globo e os bonecos da coleção, lançada no Brasil pela Glasslite.
Fiquei chocado ao conhecer um Rambo cujas características não existiam no desenho: um andarilho fedido, vulnerável, que falava pouco e se arrebentava feio no filme inteiro. Obviamente, ao criarem uma série em desenho animado para crianças,
fizeram um cara fortão, perfeito, inteligente, humilde, bondoso e escreveram diálogos fáceis de entender. Tudo para não dar pepino na cabecinha dos pequenos. Ou então para não corromper o estereótipo das propagandas de herói politicamente correto dos Estados Unidos.
Vi o Rambo ser preso por um policial, logo no início da história. Exclamei, com a força daquela ira infantil, do fundo do peito: "mas que burro! Ele é herói, seu idiota! Não é ladrão!". Acreditei que o oficial corria o maior risco de sua vida naquele momento. Imaginei que Rambo fosse puxar uma bazuca da mochila para esnobar o distintivo e aquele revolvinho mixuruca do tira. Mas ele se rendeu! Tristeza igual na frente da TV só havia sentido quando soube que o Balão Mágico tinha deixado de ir ao ar.
No fim do filme, uma cena que me fez ficar envergonhado daquele herói para sempre: o Rambo CHOROU! Eu não acreditava. "Para de chorar, seu viadinho! Vai lá atirar nos caras! Seu fraco!". Eu também estava chorando, mas do meu modo na época: sem lacrimejar, por vergonha. Reclamava apenas. Eu não acreditava no que via. Preferia ver o Rambo morrendo a vê-lo chorando.
Minha mãe, lá da cozinha, escutou o "mi mi mi" na televisão. Perguntou: "é o Rambo que 'tá chorando? Eu não acredito!". Tamanha vergonha me fez desligar a TV. Por isso não vi o final, em que o Rambo é levado pela polícia, acompanhado pelo Coronel Trautman. "O Rambo é um bostinha...", protestei. Minha mãe ficou surpresa, paralisada, me olhando, pois sabia o quanto eu gostava do personagem. Fui para a cama e não consegui dormir. Refletia, planejava, pensava em quais brinquedos eu conseguiria quando fosse dispor de meus itens da coleção do herói. Planejava trocar o par de botas do Rambo por uma bola de capotão e os bonecos por carrinhos. A fita vermelha de amarrar na cabeça, que trazia impresso o nome dele, eu transformaria num charmoso laço para a minha gata branca. Mas ela não quis. Tirava a fita do pescoço com a pata. Nem minha gata gostava mais do Rambo.
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Franja, ki-chute e estilingue
Historia CortaO "Franja" é uma coleção de memórias de minha infância. Conto sobre a desilusão que tive ao participar de gravação do Xou da Xuxa, travessuras na escola, devaneios infantis, entre outros temas. Escrevi, inicialmente, para treinar a escrita e a memó...