Xou da Xuxa: a desilusão

59 0 0
                                    





Saí dando estrela, pulei do sofá para a poltrona gritando "viva". Tacava o boneco do He-Man para cima e a girafa de vinil também. Pulei várias vezes igual fazia na brincadeira de pular corda acelerado, que chamávamos de foguinho. Tudo isso aconteceu logo depois de minha mãe ter dado a notícia que, por algum tempo, acreditei ser a melhor a ser recebida em toda a vida: dentro de poucos dias iríamos para o Rio de Janeiro participar do programa da Xuxa.

Contei para os amigos, mas eles não acreditaram. Diziam aquela história ser "invenção, não passava de mais uma das minhas gracinhas", qu enão eram poucas. Conhecer a Xuxa pessoalmente era o sonho de dez entre dez crianças que viveram sua meninice nos anos oitenta. As meninas queriam ser a Xuxa. E os meninos queriam casar com ela para, no futuro, ganhar os beijos dela, ganhar brinquedo todo dia e ter livre acesso à nave cor-de-rosa.

Partimos para o Rio. Viajamos com alguns dias de antecedência para poder conhecer o Corcovado, ir à praia e andar de bonde. Até que finalmente chegou o dia de participar do programa.

Chegando aos estúdios da Rede Globo, uma surpresa: fila enorme, bem maior do que a da escola quando serviam arroz doce ou canjica com amendoim. Aquela fila era maior até do que as de banco em dia de pagamento. Eu odiava filas. Isto já naquela época, aos seis anos. Depois de um longo tempo em pé, fomos levados até um "salão de espera", desta vez para um interminável chá de cadeira. Depois de tanto tempo sentados, a sensação era de que a bunda havia ficado quadrada. Pais, mães e crianças - também ansiosos - aguardavam. Havia dezenas de pessoas no salão.

Minha mãe me pegou de surpresa ao dizer: "olha o Dengue chegando!". Para quem não sabe, "Dengue" era o nome de um personagem do programa da Xuxa. Tratava-se de um aloprado mosquito gigante amarelo-limão. O ator usava um traje com par de braços postiços, provavelmente feitos de espuma. O objetivo era dar ao personagem o mesmo número de patas do inseto. Usava um chapeuzinho roxo "murcho", daqueles de artista plástico. E o "Dengue" brincava com uma guitarra em formato de xis (letra do nome da Xuxa), imitando os músicos de bandas que se apresentavam no programa. Curioso... hoje, adulto, quando penso no personagem, reflito sobre a crítica social que o programa infantil fazia à situação da Dengue. Isso foi em 1986! Minha mãe apontou para um rapaz magro, de óculos escuros, cabeludo. Só faltou o violão a tiracolo para se assemelhar a um fugitivo de Woodstock. "Quem? Esse aí?", perguntei, indignado. Duvidava que aquele sujeito ridículo pudesse ser a pessoa que dava vida àquele simpático mosquitão de mentirinha. E se eu fosse adolescente naquela época, certamente faria uma de minhas piadinhas sarcásticas: "este cara raquítico aí INTERPRETA o Dengue ou CONTRAIU Dengue?".

"O 'Praga' também está chegando!", minha mãe mostrou-me um anão corcunda. Era outro personagem. Consistia numa "tartaruga peralta", que atazanava a Xuxa. Por isso, o nome "Praga". Eu acreditava que era interpretado por uma criança, devido à estatura. Ou então que fosse um boneco alimentado a bateria, com boa variedade de movimentos e expressões. E o que vi foi um sujeito da minha altura usando calça jeans, camisa, sapato e óculos escuro. Bizarro. Ainda não tinha visto um anão de perto!

Uma funcionária da Globo solicitou que uma parte das pessoas que aguardavam entrassem por um portão grande. Enorme! Lá dentro estava fresquinho. Quando me recordo da cena fico imaginando o tamanho dos aparelhos de ar condicionado para manter agradável a temperatura de um local tão grande como aquele. Assim que entramos, fomos separados. Isso me fez lembrar de filmes que, ainda não entendia por quê, as crianças eram separadas de adultos. Anos mais tarde, no colégio, soube o motivo, aprendendo uma palavra cuja pronúncia era tão forte quanto o significado: holocausto. Lembrei também de uma igreja que havia visto na TV, em que os homens ficavam de um lado e as mulheres de outro. Antes que a dúvida me deixasse preocupado, observei e deduzi o objetivo da separação: os adultos ficariam no auditório e as crianças no cenário. Fomos colocados bem no centro, onde no chão existia o desenho de uma boca vermelha, gigante, representando marca de batom. Eu achava engraçado aquilo: estava "pisando no bocão da Xuxa".

Franja, ki-chute e estilingueOnde histórias criam vida. Descubra agora