Viagem entre as Brumas...

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Eu não queria viajar. Não sei o porque, mas toda vez que preciso entrar no trem... argh! Parece que vou passar a vida toda ali! Perder tanto tempo para ir ver alguém que só me dava broncas!

Mal entrei, já encontrei um canto vazio e lá fiquei. Algumas pessoas entraram, mas logo saíram... Sinceramente, prefiro assim. Viajar sozinho... é como se eu ficasse leve e pudesse pensar.

Pensar... pensar... Por que tenho ficado perdido em pensamentos ultimamente? Por que sentia que faltava algo?

Nessas viagens, a gente costuma encostar, fechar os olhos e ouvir alguma música. E por falar em música... Procurei por meu celular, só que ele não estava comigo. Droga... Com certeza eu tinha esquecido na casa de algum amigo.

Amigos... amigos... por que era tão difícil pensar nos rostos de todos eles? Por que, de repente, parecia que eu estava tão só? Parecia ter um vazio imenso em meu interior...

E pior, eu tinha a sensação de que não era a primeira vez que passava por aquilo. Um sentimento de solidão, algo como uma pressão contra o meu corpo, que sempre me toma. As pessoas entravam e saíam, sequer olhavam para mim. Deve ser por eu estar com cara de quem está de ressaca. Sei lá... Ah...

Cansado...

Tão cansado...

Dou um suspiro, sinto-me tão triste...

Será que, se eu me concentrar na paisagem, isso passa?

Então me virei para a janela. Árvores... rochedos... uma vila...árvores... estrada...uma cidade... árvores... precipício...árvores...Infinitas montanhas. Respiro fundo. Tento não pensar no tédio. Só que isso é mais forte do que eu. Acabo batendo a mão no assento de couro, bem velho já, levantando alguma poeira. Tédio!

Mais uma pessoa entra na cabine. E desta vez, parece não sair fora. Imagino que, se eu a encarar, será que ela muda de cabine? Arrisquei... e tomei um susto!

Era alguém fantasiado, da cabeça aos pés, de "morte". Todo de preto, com aquele gorro pontudo caído, foice e tudo. Até um pano preto no rosto. Tentei fingir que não me incomodei. Mas...

- Está tudo bem, rapaz. Não é a primeira vez que isso acontece.

Logo pensei que "não era a primeira vez que alguém se assusta". Só que a conversa não acabou por aí.

- Você sempre se assusta quando me vê. - Enfiou a mão desocupada no bolso e sacou um cigarro. Fez um pequeno malabarismo para não derrubar a foice e ainda acender o cigarro. Segurou-o com destreza e deu um trago longo. Percebi que não era um pano preto. Não tinha rosto mesmo, só uma sombra.

Paralisei totalmente.

- Olha só, eu sempre venho porque você está me causando problemas, sabe?

Eu... causando problemas?

- As pessoas raramente te vêem, mas quando uma ou outra mais sensível se toca que você está aqui, elas saem chamando deuses e santos. E aí, bronca! Sabe, você precisa aliviar o meu lado...

Tentei falar qualquer coisa, porém... porém, coitado de mim, só saíam "ah, eh, uh".

- Veja bem, eu já apareci de várias maneiras. Acho que esta aparência, que é a que menos me define, pelo menos foi a que te chamou mais a atenção... e dessa vez você está me ouvindo. Vocês, jovens de hoje em dia, são difíceis de conversar até depois de...

Morto!

Era isso que aquela coisa ia dizer!

Senti a palavra não dita de uma maneira tão estranha... e então tudo fazia sentido!

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