Capitulo 27

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Capítulo 27
Pov. Dakota

Eu estava sentada na borda de um chafariz. Era primavera àquela altura, e eu podia dizer isso principalmente pelo jardim à minha frente, repleto de camélias dos mais variados tipos e cores. Inspirei profundamente para sentir o cheiro de grama fresca. O sol dava ao clima uma temperatura agradavelmente morna, ideal.
Me sentia incrivelmente feliz e completa, e sequer sabia o motivo. Não me movi, com medo que aquela sensação me deixasse.
Diferentemente das outras ocasiões, eu sabia que estava sonhando.
Ao longe, vi uma pessoa. Mais precisamente uma criança, uma menina, talvez com seus oito anos de idade. Ela veio correndo até mim, e quando me alcançou constatei que não a conhecia. Mas algo nela chamou instantaneamente minha atenção.
Aqueles eram os olhos que eu mais amava. Eram de um cinza tão conhecido, tão perfeito, que não consegui deixar de olhá-los. Eram os mesmíssimos olhos de Jamie.
Imediatamente me dei conta de que amava aquela menina mais do que qualquer coisa no mundo.
– Olá. Qual é o seu nome? - Perguntei, desgrudando uma mecha de cabelos do seu rosto suado e colocando-a atrás de sua orelha.
– Não tenho nome ainda. - Ela respondeu, e a voz me pareceu tão melodiosa quando um coral de anjos.
Estranhei aquela resposta.
Eu poderia estar sonhando com a filha de Jhulie, ainda não nascida? Isso explicaria os olhos da menina serem os de Jamie, que por sua vez eram iguais aos da irmã.
Mas ainda assim, algo nela me atraía. Como um ímã.
Ela sorriu, e outra vez a lembrança de Jamie veio forte demais. De alguma forma, senti que ela também me amava, mesmo nunca tendo me visto na vida.
Tudo naquele sonho era estranho.
Fui subitamente acordada por uma dor, essa bastante real. Tão forte que me perguntei como sequer havia conseguido dormir. Depois de algum tempo tentando voltar à realidade, completamente perdida, consegui identificar que a dor estava na minha cabeça. Identificar a parte do corpo que doía era um começo.
Demorei alguns minutos para tomar a coragem de abrir os olhos. Quando o fiz, até mesmo a luz fraca que as cortinas do quarto de Jamie filtravam foram o suficiente para transformar aquele pequeno momento em um inferno. Fechei os olhos muito rapidamente outra vez, tentando engolir, mas minha língua parecia feita de pano. Talvez alguém tivesse me espancado antes que eu caísse no sono, porque todos os músculos do meu corpo pareciam um pouco podres.
Girei a cabeça devagar para o lado só para constatar que Jamie, como quase sempre, não estava ali.
Conjurando das profundezas dos meus músculos toda a força que havia em mim, sentei na cama ainda de olhos fechados. Infelizmente, o movimento foi rápido demais, então uma tontura desnorteante e um enjoo súbito me tomaram de imediato. Senti alguma coisa querendo sair de mim à força, e me desesperei ao constatar que, mesmo que conseguisse ir caminhando até o banheiro - o que não era o caso - eu provavelmente acabaria vomitando no carpete antes de chegar no meio do caminho.
Sem opção nenhuma, me curvei na cama, colocando a cabeça para fora dela e simplesmente deixando que um jato nojento saísse pela minha boca. Mas aquilo foi tudo que saiu. A ânsia vinha a cada cinco segundos, mas meu estômago vazio não tinha nada para expelir. E cada vez que ela vinha, vinha com tanta força que minha cabeça parecia a ponto de explodir, me fazendo implorar silenciosamente por um desmaio.
Senti uma mão na minha testa, dando apoio a ela. Não precisei me virar ou abrir os olhos para saber quem era. Quando as ânsias de vômito começaram a ficar menos frequentes, fui relaxando e respirando melhor. Abri os olhos devagar e dei de cara com uma bacia, posicionada estrategicamente no chão para que eu não sujasse o carpete. Jamie sabia que aquilo aconteceria, e fui grata a ele por ter sido cauteloso.
Levantei o corpo, sentando na cama muito lentamente. Minha cabeça girava, fazendo com que tudo ficasse um pouco embaçado.
– Calma... É assim mesmo.
Ouvir a sua voz me tranquilizou um pouco. Abri os olhos e o vi à minha frente com um olhar de compaixão. Imediatamente lembrei da menina no meu sonho, e então tudo se tornou muito óbvio. Tão óbvio que eu não sabia como podia não ter entendido antes.
Aquela menina era minha filha. Minha e de Jamie. A filha que não tínhamos, mas que meu subconsciente criou. Conhecer Julia e Emily provavelmente havia despertado em mim um instinto maternal inédito.
– Está melhor?
Sacudi positivamente a cabeça em resposta, mas me arrependi na hora. Meu cérebro parecia chacoalhar dentro do crânio. Eu teria respondido em voz alta, mas sabia que isso também faria com que minha cabeça doesse ainda mais.
– Vamos ter que ver o que o seu estômago aguenta. - Ele disse, indo até o criado mudo e voltando com um copo que parecia ser de água e uma colher de sopa. Ele pegou um pouco do líquido com a colher e trouxe até a minha boca. Notei que não era água, mas sim soro, o que me ajudaria a não desidratar tão rápido.
Felizmente, meu estômago conseguiu aceitar as três colheres oferecidas, sem que eu tivesse que cuspir tudo de novo na bacia ao lado da cama.
Jamie me carregou para o banheiro, servindo de apoio enquanto eu tomava banho. Fui eternamente grata a ele por ter noção e não tentar me tocar de formas inapropriadas, embora tivesse total acesso ao meu corpo. Quando meu banho já estava tomado e meus dentes escovados, ele começou um processo de enfermagem que imediatamente fez com que eu me sentisse mal por estar dando tanto trabalho.
Aproveitei o fato de que, agora, eu conseguia falar.
– Desculpa por ter vomitado seu banheiro ontem e quase ter feito isso de novo no seu carpete.
– Nosso banheiro e nosso carpete. E não se preocupe com isso.
Deitei outra vez, me sentindo melhor aos poucos.
– Nunca mais me deixe beber...
– Tenho que admitir que você bêbada é interessante.
Ele olhou para mim de forma esquisita e sorriu. Por algum motivo, fiquei ansiosa. Eu ainda não tinha parado para tentar lembrar o que exatamente havia feito depois de encher a cara.
Eu queria imaginar que não tinha feito nada inapropriado, como um ridículo striptease em cima de uma mesa ou algo assim. Me acalmei ao me dar conta de que, se alguma coisa desse tipo tivesse acontecido, Jamie não estaria todo sorridente e cuidadoso comigo, mas sim puto.
A única coisa ousada que eu lembrava claramente de ter feito era ameaçar uma vadia se ela resolvesse continuar com seu jeito "me-coma" para cima de Jamie. Talvez fosse a última coisa da qual eu me lembrasse. Depois disso, lembro de ter pedido algo para Micael, que me deu não só uma dose, mas uma garrafa inteira de vinho. Como estava puta e triste, não pensei se seria ou não inteligente encher a cara.
O álcool me fazia pensar. Por isso, fiquei remoendo a lembrança daquela piranha alisando meu namorado, e pensei em todas as outras que queriam poder fazer aquilo. Pensei também nos olhares acusatórios que recebi de algumas pessoas na festa, tão óbvios que não eram sequer necessárias palavras para me dizer que estava sendo vista como uma interesseira. Pensei no meu maldito passado, na minha maldita culpa... Pensei em Jamie, e como era importante que ele entendesse minhas reais intenções.
Pensei no quanto o amava. No quanto precisava dele. Pensei no quanto queria viver para sempre ao seu lado.
E depois... Depois...
Ah, sim.
Depois eu tinha dito, com todas as letras, que o amava como uma louca.
Meu rosto esquentou, então desviei o olhar dele, abaixando a cabeça e olhando para as mãos. Ele riu baixinho, porque não precisava de nenhuma palavra minha para entender que eu havia enfim lembrado - minha tonalidade vermelho-camarão-fluorescente deixava isso claro.
– Como se você não soubesse disso... - Falei em voz baixa, um pouco rabugenta, deitando minha cabeça outra vez no travesseiro.
Ele sabia que eu estava sem graça, por isso não insistiu no assunto. Mas eu podia ver como aquilo o havia deixado feliz. Sabia que deveria ter confessado aquilo há muito tempo, porque privá-lo de ouvir aquelas palavras não era justo. Eu mesma sabia como ouvi-las fazia bem.
Demorou um pouco - alguns minutos apenas - para que eu entendesse que aquela confissão não havia somente tirado um enorme peso das minhas costas: Ela havia me libertado de algo muito maior, um medo irracional de deixar claro o quanto eu precisava dele. Aceitar que Jamie era essencial na minha vida já havia acontecido, mas deixar isso claro para ele era muito mais difícil. E por algum motivo, agora que ele finalmente sabia, eu me sentia livre.
Suspirei contra o travesseiro.
– Você sempre soube, não é? - Perguntei.
– Mais ou menos.
Me senti culpada por aquela resposta. Eu queria que ele soubesse. Achava que tinha deixado isso claro desde o momento em que ele voltou para a minha vida.
– Eu sempre te amei. - Concluí, lutando contra a dor de cabeça e me forçando a abrir os olhos para encará-lo - Nunca foi menos que isso.
Jamie me encarou sem dizer nada. Ele não sorria, mas seus olhos brilhavam ao ouvir aquelas palavras. Quando entendeu que não tinha mais nada a ser dito, ele foi se deitar ao meu lado, muito próximo a mim, encostando a ponta do seu nariz no meu e me permitindo sentir o cheiro do perfume natural da sua pele.
– Ouvir isso de você quando está sóbria é ainda melhor. - Ele riu, beijando delicadamente meus lábios e passando o indicador pela maçã do meu rosto - Obrigado.
Não consegui responder, me mantendo imóvel ali ao seu toque.
E então percebi o tempo que havia perdido.

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