São exatamente 01:48 da manhã e eu ainda não preguei o olho. Estou na universidade ainda lendo um livro que parece não ter fim. O pior é que ele parece fênix, cada página que “leio” parece renascer mais umas duas mil. Sei que parece exagero, mas estou parecendo um zumbi em cima desse livro velho e cheio de traças. Pela capa vermelha e envelhecida, diria que ele pode ser avô da minha avó. Mas voltando, aqui na biblioteca da universidade é tão grande que minha respiração ecoa entre as gigantes prateleiras cheias de livros três vezes mais grossos do que esse que eu estou “lendo”.
O cheiro da biblioteca irritava minhas narinas, por mais que eu gostasse de ficar lá, prefiro minha cama dura e velha com lençóis finos do que um lugar escuro, quente e cheirando a mofo e traças mortas como esse.
Já estava em transe com a cabeça no livro, quando despertei e gemi como uma reclamação ao ver que não tinha lido nem 15% do livro. Deve estar se perguntando, sobre o que é esse livro tão chato? Pois vai a resposta. Nem eu sei! Só sabia que precisava ler esse livro até amanhã, quer dizer, até mais tarde por conta de um trabalho de uma matéria anônima.
Examinei o livro por alguns segundos e falei comigo mesma que se chegasse na turma amanhã falando o final da história, todos achariam que eu li. Se bem que não sou uma das favoritas do professor.
Prendi o cabelo em um coque grosso e deixei algumas mexas rebeldes escaparem entre os lados para darem um desenho ao meu rosto pálido enquanto folheava o livro até sua última página. Estava com um sorriso sínico no rosto e já podia me imaginar à algumas horas sendo aplaudida pela turma.
Nunca sentir tanto prazer em folhear um livro, era estranho pra mim pois eu gosto de ler, tanto que estou, fazendo literatura. Por que? Não sei. Me pareceu mais rentável depois de direito e medicina, mas isso é outra história.
Finalmente cheguei ao final do livro. A ultima página estava amarelada e empoeirada. Ah! Quase me esqueço, vazia também. Voltei a página e passei o dedo ágil entre as frases.
— blábláblá...— sussurrei ainda caçando o parágrafo final.
Meus olhos nunca ficaram tão atentos a letras minúsculas e palavras difíceis quanto agora. Sentir gotículas de suor escorrerem por minha testa pálida até umedecer a raiz de meu cabelo ruivo natural. Aquele tom meio laranja.
Achei o ultimo parágrafo, sentia a adrenalina passar por meu corpo como se fosse um carro de corrida e me deixando com uma sensação que não consigo descrever em palavras. Cravei meus olhos verdes no parágrafo e deixei o abajur bem próximo a folha do livro. Mas como sou o desequilíbrio mental e físico em pessoa, levei o abajur ao livro junto com minha cabeça e acabei cortando minha testa em um simples risco vermelho, o que me lembrou da capa do livro “eclipse” de Stephenie Meyer. Quase me esqueço de novo! A luz do abajur quase me cegou quando fui reclamar da dor e — não sei como isso aconteceu — virei a lâmpada bem aos meus olhos.
Levei minhas duas mãos ao rosto(isso é quase automático) e derrubei o abajur o quebrando ao entrar em contando com o chão. Fez um barulho tão agudo que chegou a ser irritante, que ecoou pela biblioteca a dentro fazendo um estrondo maior como o de um raio.
Estava um breu, não conseguia ver um centímetro a minha frente e para piorar perdi o livro de contato. Fechei os olhos e puxei as sobrancelhas o mais forte que pude. Só não sabia se era para segurar um grito de raiva ou medo de alguém chegar e me pegar aqui. Se bem que, estar escuro então teria tempo de fugir e me esconder, mas sou tão atrapalhada que acabaria escorregando nos próprios pés, derrubando uma tonelada de livros em cima de mim e disparando o alarme de incêndio. Como? Comigo tudo acontece no último milésimo de segundo.
Eu precisava fazer alguma coisa, tinha menos que três horas pra dormir e meia hora pra voltar e apresentar um resumo sobre esse livro. Estava ficando frio, a temperatura parece ter caído depois que quebrei o abajur. Só faltava essa, cair neve no meio do outono.
— não perde o foco Ammy! — bufei para eu mesma sem conseguir definir minha expressão agora.
Tenho que fazer alguma coisa ,mas é impossível no escuro. Comecei a roer minhas unhas e bater os pés repetidas vezes, mas estava sentada a tanto tempo que já não conseguia sentir meu traseiro. Mordi meu lábio inferior e tentei olhar os lados, já estava em desespero. Foi quando meus neurônios deram sinal de vida e eu lembrei que tinha meu celular.
— palmas pra mim!— falei em meu tom normal de voz, mas soou tão alto pela biblioteca que parecia ter saído de um auto - falante.
Procurei a bolsa pela cadeira, mas sem sair do lugar, passei as mãos pela mesa e quase gritando uma palavra não muito agradável, sentir minha bolsa de couro falso, preta na ponta dos meus sapatos apertados.
Tentei pegá-los com os pés encaixando uma perna sobre a bolsa e segundo a mesma com a outra. Quando estava quase chegando ao alcance de minhas mãos, sentir um formigamento passar por minhas pernas e reclamei em um gemido baixo mas a bolsa caiu novamente, espalhando tudo que tinha dentro, pelo chão.
Joguei a cabeça para trás e suspirei fazendo reclamações com estrondos na garganta. Alguma coisa não queria deixar eu ler o final do livro, mas eu não iria me render. Eu só precisava me abaixar e procurar o celular — pelo carpete cor bege que não aparecia agora— mas com certeza, com a minha sorte, ele deveria ter caído e deslizado até o quinto dos infernos só pra me fazer sofrer e ficar caçando até não ter mais dignidade.
Me abaixei pela cadeira e bati as costas na mesma, depois quando fui colocar as mãos onde bati ,a cadeira se afastou um pouco e eu caí sentada no carpete macio. Aspirei o ar para meus pulmões e o liberei segundos depois em um bufo de alívio pelo que havia acabado de acontecer. Eu sei que o destino não vai se cansar até fazer eu bater na cabeça na quina da mesa, então por precaução, rasguei o ar procurando a mesma. Assim que a encontrei, me coloquei em baixo dela e de quatro fiquei caçando meu celular com as mãos pelo carpete aveludado.
Nesses movimentos pude sentir minhas canetas, lápis, dinheiro e nada do celular. Confesso que já estava desistindo, mas sentir algo vibrar no bolso do meu casaco.
— isso não pode ser possível! — sussurrei levantando a cabeça e batendo com tanta força que cheguei a ficar tonta.
Meu cabelo se soltou de vez e eu não estava com paciência para tentar controlá-lo. Geralmente ele tem vida própria. Sentei de novo na cadeira e peguei meu IPhone do bolso, lendo, logo em seguida, a mensagem da bateria implorando para ser conectado em um carregador. A luz estava fraca — por um lado foi bom porquê me acostumei com o escuro e uma luz forte ,a essa hora, queimaria minha retina — e a porcentagem da bateria em 7%. Ainda tinha alguns minutos então me apressei a passei a pouca luz do ecrã do telefone pela mesa até encontrar o livro e o último parágrafo. Levei meu rosto tão próximo do livro que pude sentir o cheiro das letras, se fosse mais esperta conseguiria ouvir seus pensamentos.
Passei o celular pela folha e conseguir ler o final de linhas em sussurros quase mudos inclusive pra mim. Estava escrito:
“ No esplandecer da situação, Rosalie se deitou ao braço do amado de peito nu e de entre suas saias tirou uma adaga e com ela a enfiou em seu peito. Esperando a morte ,Rose, passou sua mão pelo rosto do corpo gélido ao seu lado, até não ter mais forças para respirar...”
Arregalei meus olhos ao descobrir que teve morte no fim. Típico final para um romance clássico. Me perdi em pensamentos enquanto a pouca luz do meu celular ainda sustentava a escuridão da biblioteca. Tentei raciocinar alguma coisa para falar amanhã, mas meu cérebro pareceu está em hibernação ( e não acordava a muito tempo).
Para explicar o final, teria que saber o porque dele ter morrido, isso me custaria umas duas páginas atrás e depois que descobrisse o porque desse drama, teria que saber o motivo dela se matar, isso custaria alguns capítulos. E seguindo assim ordem contrária dos fatos, voltaria a página que eu realmente estava "lendo". Só de pensar nisso joguei minha cabeça no livro mofento e fingir chorar com a voz. Joguei o celular na mesa e logo ele apagou me deixando na escuridão total.
— ótimo! — Bufei com o rosto por completo nas letras do livro.
Der repente, meus olhos começaram a pesar e eu sabia que não poderia dormir, por dois motivos óbvios. Primeiro, eu com certeza seria alvo de piadas no dia seguinte. Segundo, se dormisse agora não acordaria em menos de 12 horas de sono. Essa é a parte em mim que mais gosto — às vezes — meus sonhos são longos e detalhados, e na maioria das vezes consigo lembrar de tudo.
O livro velho, grosso e mofento estava se transformando em um travesseiro de plumas, de um hotel caro em Dubai. Minha coluna estava doendo, mas meu sono já me consumia por inteiro. Algumas mexas de meu cabelo ruivo escorreram pelo canto esquerdo do meu rosto até chegarem a mesa. Alguns fios entraram em meu nariz, me fazendo arrepiar, mas nem me movi e já estava sonhando quando fechei os olhos.
Acordei depois — não sei quanto tempo passou — com um sopro em meu ouvido que me fez pular da cadeira. Meu corpo todo estalou. Olhei em volta e ainda estava escuro. Meus olhos reclamaram quando minha amiga Keira jogou a lanterna do celular neles.
— ai! — gritei encaixando o cotovelo em meus olhos.
Ela riu baixo e tirou a luz de meus olhos. Metade do meu rosto estava dormente, sentir algo quente escorrer pelo canto de meus lábios. Era minha saliva seca e fedorenta grudada em meu queixo.
— Fiquei preocupada com você. — ela sussurrou bem próximo de mim.
Concordei com a cabeça e estiquei meus braços fazendo os mesmos estalarem junto de minha coluna. Já conseguia sentir meu rosto todo e meus olhos não ardiam mais.
— vamos embora antes que alguém apareça. — ela concluiu puxando meu braço com uma certa força que eu não imaginava que ela tinha.
Qualquer coisa me puxava, até o vento me arrastava quilômetros se quisesse. Meu físico não é o tipo certo pra praticar esportes ,mas tenho que viver com isso!
— que horas são? — perguntei a ela ainda sonolenta.
Ela virou o celular e eu pude ver seu rosto bege com uma forte maquiagem e uma mexa de seu cabelo castanho claro caída sobre um de seus olhos claros também. Deveria estar voltando de uma festa ou coisa parecida. Ela é descendente de alemães então chama muita atenção por onde passa, por sua beleza natural.
— 04:08. — ela respondeu colocando a luz de vilta sobre meu rosto amassado. Eu podia jurar que estava com uma gigante linha vermelha na bochecha, pela posição que eu dormir e onde dormir.
— droga! Não li nem metade do livro. — disse batendo a mão esquerda na testa fazendo um estalo agudo e causando uma dor no corte que tinha acabado de fazer.
Ela percebeu o corte e se aproximou mais de mim grudando minha cabeça em seu peito para ver o corte. Não tinha certeza mas acho que estava com o vestido branco com pérolas no decote em 90 graus, que ela tinha ganhado do namorado alemão que eu ainda não conhecia.
Ela examinou minha testa com o uma mão e usou a outra para segurar o telefone. Suas unhas perfeitas se encravaram em minha cabeça e eu me afastei reclamando. Ela riu e falou com o celular em minha cara:
— você é o tipo de pessoa que não consegue viver sem uma cicatriz no corpo.
— não, sou o tipo de “ser humano”— fiz as aspas com os dedos — que é um imã para o perigo.
Ela riu de novo e voltou o celular a mesa onde eu estava lendo. Conseguir finalmente ver minhas coisas espalhadas no carpete , embaixo da mesa, o abajur quebrado no chão, o livro(com a página cheia de saliva absorvida pelo papel) grosso em cima da mesa e meu celular ,jogado ao lado.
— você é mais perigosa quando está sozinha. — ela zombou com uma leve gargalhada em minha direção.
— ignore qualquer coisa estranha aqui. Se do nada a biblioteca começar a pegar Fogo, nunca estive aqui. — disse tentando ser engraçada, sem sucesso, claro.
Ela me encarou com uma das sobrancelhas erguidas em deboche. Estava com a expressão séria e nem precisei da luz do celular para perceber isso.
— desculpe. — sussurrei abaixando a cabeça e a coçando perto da nuca, em seguida.
Ela caiu na risada enquanto eu me voltava a mesa para pegar as coisas. Não era mais necessário a lanterna de seu celular, pois o sol nascera e já passava seus raios pelo amplo espaço, que mais tarde, estaria lotado de gente.
— vamos embora por favor, daqui algumas horas tenho que voltar.— reclamei me aproximando de Keira.
Ela concordou com a cabeça e nós passamos pelas portas de vidro da biblioteca partindo para os corredores ocos da universidade. Era estranho ver aquele lugar tão vazio. As poucas horas que dormir não me recuperaram totalmente e eu tropeçava em mim mesma a cada três passos. Não sei explicar, minha lerdeza é desconhecida e inexplicável para a ciência.
Quando dei por mim já estava no estacionamento, o frio da manhã passou por meu cabelo o levando centímetros de distâncias de meu corpo, mas voltando depressa. Keira já estava dentro do carro quando meu cérebro pareceu respeitar meus comandos e eu entrei rápido, antes que acontecesse qualquer outra coisa.
O mesmo partiu em velocidade e eu fechei a janela na esperança de Keira ligar o aquecedor. O frio deixava a ponta de meus dedos adormecidos e arrepiava os finos, pelos loiros de meu braço.
Quando o carro chegou a quinta avenida, o sol bateu nos vidros da BMW e iluminaram o vestido branco que imaginava que ela estava usando. O silêncio era constrangedor, ela era minha melhor amiga e estava com um sorriso que não cabia em seu rosto. Olhei a janela, o movimento dos carros — na rua ganhando movimento — e olhei ela.
— ok, pode falar. Você não iria atrás de mim, de madrugada, se não houvesse um ótimo motivo.
O sorriso de Keira aumentou e sua expressão de felicidade era vista em um raio de dez quilômetros.
— ele disse que logo estaria aqui. Fui a uma festa de casamento da minha família, quando recebi a notícia. Estou esperando dar um horário certo para nós podermos conversar melhor.— ela disse contente com suas palavras. O sorriso não sumira com o discurso que fez, pelo contrário, ficou mil vezes maior.
O rapaz de quem ela falava era o namorado que conheceu nas férias, quando foi para a Alemanha. Nunca vi ele, não sei o nome dele e nem pergunto. Demorei meses para conseguir falar o nome correto dela e ela disse que o dele era mil vezes pior de se pronunciar.
Rir sozinha ao lembrar disso, ela me olhou curiosa mas não precisou perguntar nada. Seus olhos já deixavam tudo claro.
— não vejo a hora de conhecê-lo.— tentei fazer uma voz animada e levantei um de meus braços em animação.
Ela riu.
— seja lá quem falou, estragou a falou, estragou namorado. Acho que ele só contaria no seu aniversário que por falar nisso...— parei olhando o nada, como se fingisse não lembrar de seu aniversário — é semana que vem, não é...
Ela pulou com um dos braços em mim ,rindo, sem perder o controle do carro eu me libertei dela gritando:
— olha o trânsito! — eu gritei rindo.
Ela voltou a atenção a pista mas continuou rindo. Ela sabia que eu estava brincando. O aniversário dela é hoje e não conseguia me esquecer, por motivos vergonhosos eu não vou contar, mas, posso adiantar que eu e ela temos um incrível gosto( idêntico) para homens.
— feliz aniversário Keira.— falei com um sorriso sincero.
Ela concordou com a cabeça, sem me olhar e eu pude perceber seus traços exaustos e felizes ao mesmo tempo. Ela nem era minha amiga, primeiro éramos apenas companheiras de quarto e eu — a antissocial que sou — só respondia os“ bons dias ” que ela me dava. Mas depois começamos a nos identificar e nos tornamos as grandes amigas que somos hoje.
É curioso lembrar disso porque antes de vir para a universidade, eu tinha minhas cinco amigas que conheço desde criança. Sinto tanta saudades delas, queria tentar voltar, mas minhas férias são só para estudar mais e trabalhar.
Encostei minha cabeça na janela do carro e fiquei olhando os vultos de carros passando e me deixando com mais sono. Os raios de sol que atravessavam a janela não me impediam de dormir...acho que vou ficar por aqui, mesmo sabendo que o lado esquerdo da minha cabeça já estava ficando dormente e tinha algum som irritante no meu ouvido. Um toc toc que não acabava. Abri os olhos e procurei o som, era a Keira batendo na janela. Já havíamos chegado no prédio onde morávamos.
Saí do carro cambaleando, mas despertei quando vi o lance de escadas para sair do térreo. Bufei rápido e fui atrás dela ,que subia as escadas graciosamente com saltos caríssimos e altíssimos. Enquanto eu, que estava de com tênis, ia tropeçando em meus próprios pés. Acho que sou o tipo de pessoa que não consegue ficar em pé em uma superfície plana. Devo estar parecendo uma idiota subindo as escadas com uma cara de tonta. Me perco tanto em meus pensamentos que não consigo observar o lugar ao meu redor. Só sei que já chegamos ao elevador e que as voltas que ele dava estavam me dando enjoos.
— Ammy! Você está verde! — ela disse com a voz preocupada e com um sotaque carregado de alemão.
Concordei com a cabeça. Eu estava escorada no espelho e só voltei em mim quando as portas se abriam exibindo o corredor de mármore perolada, decorada com vários quadros antigos e estranhos.
Keira apoiou um de meus braços por trás do seu pescoço e me levou até a porta do apartamento.
— eu estou bem.— reclamei em sussurros enquanto ela abria a porta com uma chave e um chaveiro com um coração rosa escrito “Depois de dormir”.
Sempre gostei daquele chaveiro e já ameacei ela se não Me desse ele. Rir comigo mesma e ela me olhou. Neguei com a cabeça baixa, olhando meus pés e em seguida guardando uma mexa de cabelo atrás de minha orelha direita.
Keira abriu a porta e nós estramos. Fui a última e fechei a porta me jogando no chão em seguida. O carpete macio e cheirando a rosas brancas poderia ser minha cama naquele momento.
Fiquei de peito pra cima e olhei o teto bege que acompanhava o tom claro das paredes. O apartamento era grande e cheio de coisas claras, como eu só moro de favor não me comprometo com a decoração. Isso é mais coisa da Keira.
Virei de lado e vi o relógio — redondo e com corações no lugar dos números — na parede. Já são 07:30! Em um pulo corri pro meu quarto e peguei o computador que não queria ligar! Droga! Esqueci que estava descarregado!
Cassei o carregador pelo quarto e achei embaixo de alguns livros que estavam embaixo da cama. Quando conectei no aparelho ele ligou depressa e logo apareceu a hora na tela de início. 07:33.
Meu coração parou naquele momento. Engoli em seco e corri pro banheiro para escovar os dentes. Saí de lá ainda com a escova na boca, fui direto para o guarda roupas bagunçado. Meu sutiã ,preto e sem detalhes, favorito estava pendurado na porta e eu só tive tempo de puxá-lo e jogá-lo lá dentro. Derrubei roupas no chão e achei minha blusa preta. Troquei rápido, e atrapalhei quando passou pela boca. A escova de dentes quase caiu e a espuma do creme-dental estava começando a arder. Voltei ao banheiro e levei a boca tirando o excesso de pasta umas duas vezes e depois fui ao quarto.
Fiz tantas coisas ao mesmo tempo que meu cérebro parou de funcionar por um breve momento eu estava vendo tudo em câmera lenta. Fiquei parada no centro do quarto olhando a bagunça, pisquei três vezes a cada segundo e fixei meus olhos na cama de casal, com Edredons bagunçados e meus fones amontoados por lá. Olhei as paredes brancas do meu quarto com detalhes lilás bem no centro formando uma linha que pegava todo o quarto. Não sei como era possível, mas aquela cor combinava perfeitamente com toda a decoração do apartamento.
A janela simples na parede bem perto da cama tinha uma espécie de sofá e lá estava meu relógio e uma camisa xadrez vermelha e preta que eu nem sabia que tinha. Não sentir meus pés andarem até lá, mas quando dei por mim estava colocando a camisa e olhando o relógio. 07:45.
Meus olhos se arregalaram de um jeito que não imaginava que fosse possível. Peguei meu computador e corri de volta para a sala, meio desorientada.
Olhei para os lados em desespero como se fosse a primeira vez que entrara no apartamento. Keira me olhou, ela estava mastigando uma maçã e estava com fones no sofá.
— procurando alguma coisa?
— você sabe onde deixei minha consciência?
— você tem consciência? Não sabia.— ela disse naturalmente, mordendo a maça em seguida.
— muito engraçado...— suspirei enrolando o cabelo e jogando para o lado.
— você vai se atrasar. Quer uma carona?
— não, ainda tenho cinquenta minutos.
Ela concordou com a boca e me olhou dos pés a cabeça. Isso foi estranho, ela estava me “escaneando”?!
— algum problema?— perguntei me afastando até a porta.
— você tá parecendo aquelas roqueiras, adolescentes de escola.
Abrir os braços e me olhei dos seios até aponta dos meus sapatos sujos e fedidos. Não acho que pareço uma roqueira, elas são bonitas e estilosas, já eu...uma tonta atrapalhada com roupas sujas e pasta de dente na camisa.
— pareço uma mendiga. — reclamei enquanto ela se levantava com o celular e os fones no ouvido.
Tentei ver o ecrã, ela estava fazendo uma chamada e tinha alguma coisa escrita em uma língua estranha ( deve ser alemão) e um coração vermelho ao lado. Estava falando com o namorado e eu já iria atrapalhar...ótimo...parabéns pra mim.
— vou ligar para a portaria chamar um táxi. — ela disse e seu sotaque alemão dificultou na palavra "táxi".
— obrigada... — me aproximei dela como se fosse abraçá-la e quando ela caiu em meu truque puxei ,de seu cabelo louro, um prendedor e sair correndo para o elevador.
Ouvir os gritos e gargalhadas dela enquanto forçava o botão pra chamar o elevador que parecia não me obedecer. Bufei, bati o pé e olhei meu relógio repetidas vezes toda vez que o ponteiro se mexia parecia ser uma faca em minhas costas.
— que droga! Porquê não tá funcionado! — gritei chutando as portas prateadas e gélidas a minha frente.
Não prestei atenção mas conseguia ver a mancha de meu reflexo lá. (Não perca tempo com isso, não perca tempo com isso). Nem percebi, mas eu já estava como uma professora em um sala cheia de alunos fazendo bagunça; fazia círculos com as pontas dos dedos, no canto de minha cabeça. Minhas unhas arranharam um pouco e voltei a sentir a dor da pancada que dei na mesa da biblioteca.
— deu problema nesse elevador, agora só funcionam os particulares. — disse a faxineira sem me olhar, e ela estava certa. Ficava apenas limpando o chão com suas roupas pretas e brancas e um tipo de grampo( ou sei lá o que era aquilo) que prendia um coque ,de cabelos escuros, mal feito em uma grade, ou Teia. Sei lá. Não conseguia ver seu rosto, ela só olhava o chão.
— alguns minutos atrás estava funcionado!— reclamei com a voz angustiada.
Ela pareceu não se importar, podia jurar que virou os olhos em tédio quando me ouviu. Mas respondeu com a voz seca:
— Dona, eu sinto muito mas o elevador tá quebrado. E se estivesse realmente com pressa, já estaria nas escadas. — ela sussurrou ainda sem me olhar.
Ela tinha razão, eu tinha que correr. Por sorte, minhas pernas já estavam funcionando e eu já estava abrindo as portas da escada de emergência. Considerando Que eu morava no oitavo andar e que as escadas eram em círculo e sem esquecer que eu tenho 100% de chance de ,no primeiro degrau, tropeçar e sair rolando eu estava relativamente ferrada e com certeza chegaria lá atrasada ou morta.
Suspirei rápido, enchi meu pulmão de ar (eu acho) e comecei a descer apressada e segurando o corrimão. Minha bolsa batia em minha perna com tanta força que sentir meu músculo ficar latejante. Eu estava indo bem com as escadas, ficava contando meus passos pra tentar não cair.
— um...dois...um...dois...— contava caçando o ar.
Parei por um momento, mas não estava nem perto de acabar. Apoiei minhas mãos no joelho e inspirei o máximo de vezes que consegui até votar a descer, dessa vez mais lento e ainda segurando o corrimão. Acho que isso me atrapalha. Comecei a descer ainda contando, mas dessa vez sem segurar em nada. Meus pés ficaram mais ágeis e eu mais confiante.
6° andar
5°andar
4°andar
3°andar
2°andar
Não sei se o que sobrou de mim era o suficiente para sair daquele lugar. Meu cabelo encharcado, meu corpo dolorido, minha respiração ofegante e meu cheiro de jogador de futebol depois do jogo, estava atravessando a porta do inferno para a recepção do prédio. Sabia que seria o alvo de olhares, risadas e piadas.
Eu não tinha forças, não tinha oxigênio suficiente para recuperar minha respiração "normal". A luz que chegou em meus olhos pareceu o céu. O ar condicionado da recepção relaxaram meu corpo( será que vou começar ressecar igual minha mãe dizia?) causando um choque térmico delicioso. Pode me chamar de masoquista, mas isso foi uma delícia.
Passei pela sala de mármore bege, cheia de gente importante e cães latindo. Isso mesmo, aqueles que são pequenos e chatos. Eu estava de mal-humor, não queria nem olhar a hora, isso iria me deixar com muito mais raiva.
— Srtª. Mellyssa o táxi está esperando a dez minutos. — disse Edgar, o mordomo do prédio. Ele tinha uns 40 anos e era o faz tudo de lá.
— Ammy! Só Ammy.
Ele concordou com a cabeça.
Um cara legal, careca e que usava um terno azul com a logomarca do prédio e um short do mesmo tecido até os joelhos. Isso exibia suas pernas cabeludas.
— que horas são? — perguntei com a voz fria e continuei andando até a porta de saída/entrada.
— 08:20 Srtª. — ele disse ao meu lado e um passo a frente para abrir porta de vidro.
Pela porta e conseguia ver o táxi, o movimento maluco da rua, cheias de manchas amarelas (os táxis) e pessoas andando como se estivesse em uma corrida.
Ele deixou eu pela poeta e veio logo em seguida. Eu o agradeci com a cabeça e entrei no táxi. O banco de couro do táxi relaxou minha coluna, sentir tanto prazer em encostar minhas costas em alguma coisa almofadada que nem prestei atenção na pergunta que ele me fez.
— Universidade D'Lowan, faz o possível pra chegar antes das nove.— eu disse de olhos fechados ainda saboreando o prazer que minhas costas estavam sentindo.
O vidro em minha frente , cheio de propagandas de programas sociais, festas leilões, data do jogo de baseball... Entre outros ,abafou minha voz que já saíra em sussurros. O horário normal era 08:30 mas podia inventar alguma mentira, o meu estado físico iria me ajudar muito!
Peguei meu computador da bolsa e o liguei o mais rápido que conseguir. Digitei a senha, em uma velocidade que não sabia que era capaz de ter e logo na tela de início, apareceu uma mensagem que quebrou todas as chances que eu tinha.
7%(quatro minutos) de bateria. Conecte seu computador ao carregador ou adicione outra bateria.
Meu coração parou quando eu terminei de ler a mensagem e sentir meu Cérebro "pifar" ,de tal maneira, que eu não conseguia falar.
— qua...nto tem...po até chegar? — perguntei um pouco nervosa e olhando pelo espelho.
— uns dez minutos se tivermos sorte.— ele respondeu atento ao trânsito e ao sinal vermelho que ele acabara de ultrapassar.
Não tinha me tocado no quanto rápido o carro estava. New York não parecia uma cidade e sim, um dos quadros malucos e incrivelmente caros que só vimos em filmes antigos ou comerciais de TV.
— sorte — repeti digitando alguma coisa básica e grande a ponto de preencher uma folha do word. — uma palavra que não gosta ,muito, de mim. — sussurrei jogando minha cabeça no apoio do banco.
Ele riu acelerando ainda mais o carro a ponto de eu não saber se era real ou eu estava em um esboço de desenho de criança em uma seção com psicólogo. Terminei de digitar alguma coisa sobre o começo do livro e associei com o final macabro. Por "sorte"(a cada dia fica mais comum e mais estranho falar essa palavra) encheu três folhas e a bateria ficou em 2%. Agora é só salvar e entregar. Pensei em um suspiro e um sorriso no rosto. Levei meus dedos ao mouse e esperei a seta chegar ao meu destino desejado, a bateria estava em 1% e nada da seta se mexer. Ela ficou parada na tela do computador e eu tenho certeza quê ficou rindo do meu desespero. Bati no mouse e quando o carro deu uma freia da brusca o computador caiu da minha mão, corri com os braços e fiz um Macete comas teclas mesmo, um milésimo depois, a tela apagou e eu só conseguir ver minha cara cansada e assustada.
— 08:55 — disse o taxista se apoiando no banco e colocado os pés no volante do carro.
Eu peguei minhas coisas e sair do carro com pressa. Encarei o prédio e a placa — maior que um outdoor — em prata escrito UNIVERSITY D'Lowan — eu tinha cinco minutos mas aprecia que alguma não me deixa seguir. E estava certa. O taxista gritava "Hey!Hey!" várias vezes.
Olhei para ele e o vida com a mão estendida. Esqueci de pagar a droga da corrida. Revirei os olhos e cassei alguma cousa em minha bolsa, mas o computador ocupava uma de minhas mãos e nessa bagunça acabou caindo na grama.
— Droga! Hoje não é meu dia! — gritei alto o suficiente para acordar um quarteirão inteiro.
— calma moça — ele zombou rindo.
— cala à boca e me fala quanto custou! — gritei mais baixo, porém, alto.
— bom, as multas que vou ter, o pneu careca o banco sujo e a corrida junto...— ele falava colocando cada quesito em um dos dedos.
— eu vou pagar a corrida, não a manutenção da merda desse carro! — interrompi ele.
Ele me olhou assustado e recuou um passo com medo de eu tirar alguma coisa da bolsa. E tirei mesmo. Mas foi duas notas de US$10 amassadas e algumas moedas.
Entreguei a ele com raiva e dei as costas pegando meu computador do chão e correndo até a portaria do prédio. Já eram nove horas da manhã e eu cheguei até o tipo de portaria que ficava o velho Beau. Ele era um senhor no seu último ano de carreira, era gente boa, mas seguia as regras como ninguém. Quem sabe meu estado "morto-vivo" não faça ele mudar de ideia.
— oi Beau — cumprimentei com um aceno.
Ele ficava em uma bancada de madeira escura a uns dois metros do chão e tinha visão privilegiada de toda á área do campus. Pelo menos eu acho.
— o que você está fazendo aqui — ele perguntou grosso.
Me encolhi e o encarei um pouco assustada. Sua monocelha estava mais contraída do que de costume e sim, isso é apavorante.
— eu sei que cheguei atrasada, mas entenda. Tenho um trabalho do Gilbert para entregar e olha meu estado! Não durmo desde ontem, não comi nada desde ontem. Então por favor me deixe entrar. Eu necessito. Por favor! — implorei tentando não olhar aquilo que parecia uma lagarta andando por cima dos olhos escuros dele.
— Srtª. Soherphe, mandamos um e-mail para todos os alunos de literatura dizendo que o professor Gilbert, teve um imprevisto e vai se ausentar por uma semana. Até lá, estamos procurando um substituto.
Ele explicou com tom de deboche vendo minha situação deplorável. Quando Ele terminou de falar, sentir uma fúria subir pelo meu corpo até chegar em minha garganta, inclusive achei que fosse explodir, mesmo que não achasse isso possível. Minhas narinas se dilataram e meus olhos ardiam na raiva. Eu tinha tanta coisa para dizer, tanta coisa para sair gritando feito louca mas ao mesmo tempo, tinha sono, fome e frio.
Me sentia uma criança miserável, um vazio no escuro.
Saí de perto do palanque dele e me joguei nos pequenos degraus com as mãos no rosto. Eu só queria ficar em casa agora e dormir até dois mil e nunca. Mas ouvir passos ao meu lado e resolvi ver o que era.
— você precisa de ajuda moça? — um rapaz alto e moreno perguntou se sentando ao meu lado e me olhando com piedade.
Não dei muita atenção nos detalhes mas no perfume dele me lembrava meu pai. Isso porque não dei atenção aos detalhes.
— eu não sou uma mendiga... — sussurrei olhando meus pés.
— eu percebi — ele respondeu docemente — mendigos não tem computador da Apple.
Eu ri. Ele também.
— minha vida tá um inferno! — disse pegando minhas coisas e me levantando.
Ele fez o mesmo movimento e tentou olhar meu rosto.
— verdade, você tá conversando com um estranho.
— irônico e desnecessário.
Ele riu de novo.
— eu já vou, tenho que conseguir um táxi que aceite relógios. — eu suspirei e sair andando.
— espera! Você quer dinheiro emprestado?— ele gritou.
Me virei para olhá-lo, mas ele já estava bem na minha frente com uma nota de US$50.
— você daria dinheiro a uma garota que parece usar drogas? — perguntei pegando o dinheiro.
Geralmente eu costumo demorar a pegar o dinheiro de alguém, mas meu sono me dominava e eu estava pronta para me submeter a ele.
— se você estuda aqui sei que não usa drogas. E outra, todo mundo tem o dia que nada dá certo. Mas acaba.
— fala isso pro meu destino. Porquê vivo esse dia à 20 anos e nada de acabar.
— você não se ferrou quando nasceu, então não são vinte anos.
— nasci prematura, caí da incubadora. — fui direta. Ele era legal, mas eu queria muito ir embora agora, nesse exato momento.
— retiro o que disse. — ele sussurrou.
Concordei com a cabeça e sair andando até a rua.
— você não vai me falar seu nome?— ele gritou de uma distancia considerável.
Sinalizei um “bye” na calçada e fiquei na esperança e algum táxi parar e me levar pra casa tocando minha música favorita na rádio. Mesmo que eu não tenha uma favorita.
Minhas pernas começaram a ficar bambas e meu corpo a pesar como se estivesse carregando um elefante, mesmo que eu fosse magra o suficiente pra entrar em uma garrafa. O vento gélido que os Carros na pista movimentada por borrões coloridos trouxera, me congelou e arrepiou todo o meu corpo além de fazer meu estômago gritar como um recém-nascido.
Depois de alguns minutos um táxi amarelo com, o carro um pouco menor primeiro que peguei, encostou e eu entrei já jogando a nota de cinquenta.
— Lux'Diamonds, Central Park. — disse chocando minha testa contra a janela de vidro.
Sentir minha cabeça latejar de novo e não dei a mínima. Meu estômago rondou mais alto que a potência o motor do carro e não me importei. Eu apenas voltei a viver quando o carro parou em frente ao meu prédio. Eu saí carro como se minhas pernas estivessem sendo puxadas por um trator. Entrei na recepção e como um zumbi, seguir até o elevador e tinha já uma fita amarela escrito mantenha distância. Me olhei nas manchas do elevador de ferro e concluir que estava ótima para fazer um zumbi faminto em The walking dead.
— o elevador de serviço está pronto para o uso. — disse Edgar levando minhas coisas, e me levando ,até um elevador simples atrás do balcão.
Queria agradecer, mas não tinha forças nem para respirar direito. Só concordei com a cabeça e vi a porta do elevador se fechar. Meio minuto depois ,eu já estava no meu corredor luxuoso, cheirando a perfume francês. Meio que por impulso andei até a porta de meu apartamento e empurrei com uma da mãos; a porta que se abriu fazendo ruídos agudos. Não reparei em detalhes, não olhei a hora e muito menos se Keira estava lá ou não.
Do meu quarto parecia vir uma luz. Eu Morreria agora ? E iria pro céu? não me importa. Quando sentir a umidade do meu quarto bagunçado em meu corpo, como que, por reflexo, tirei tinha camisa xadrez e me joguei na cama por cima de travesseiros e edredons. Com a ponta dos pés, tirei meus sapatos ficando só de meias mesmo. depois foi só fechar os olhos e dormir...
VOCÊ ESTÁ LENDO
Depois De Dormir...
Ficção Adolescente"Isso só pode ser loucura da minha cabeça! Eu estou apaixonada por alguém que só existe em meus sonhos !" Mellyssa Soherphe( Ammy como gosta de ser chamada),é uma universitária que vive com uma amiga em New York. Certa noite,Ammy sonhou que estava s...