II - Perca o auto-controle

30 1 0
                                    

- Mais cedo ou mais tarde, os mortos nos alcançam. - Desliguei a TV naquele exato momento. Aquilo me lembrou instantaneamente de algo que Gabriel achara alguns anos atrás, quando ainda éramos adolescentes malucos por filmes de terror e desesperados por adrenalina. Faziam alguns dias desde que ele se fora. Eu me sentia mal por não ter conseguido nenhum contato. Minha mente vagou sobre esse assunto durante alguns segundos, quando, de repente, eu queria fazer qualquer coisa que fosse possível para me aproximar dele.

Estiquei o braço para o lado e fiz algum esforço até alcançar o notebook. Liguei a tela e entrei nos arquivos. Pesquisei pelo nome do vídeo que sabia que estaria ali, e senti um leve tremor em minha mão ao clicar no play.

- Tá gravando? - Uma loira perguntou para alguém atrás da câmera, ao se posicionar em frente ao prédio abandonado. Esse fez sinal positivo com a mão.

- Olá, povo de Limeira. Meu nome é Ana Lima, e eu sou estudante de jornalismo na Universidade Federal de São Paulo. Meu trabalho de conclusão de curso é... - Ela parou ao ver o câmera suspirar.

- Ana, eu acho que isso que estamos fazendo é ilegal. - O homem pronunciou-se, e colocou a filmadora no ombro.

- O quê? - Ela perguntou, ainda parada no lugar em que estava antes de ser interrompida.

- Essa coisa toda de invadir hospitais psiquiátricos abandonados à noite. Acho que vamos receber no mínimo uns 3 processos.

- Pra mim você era estudante de cinema, e não de direito. Anda, deixa de ser medroso. A gente já veio muito longe para desistir. Imagina como vamos ser prestigiados se conseguirmos provar que, de fato, ainda tem pessoas morando aqui! Vamos, vamos. - O câmera balançou a cabeça em negação, mas voltou a posicionar a filmadora, vencido. A mulher repetiu a introdução, e fez sinal para o outro segui-la.

- O Instituto de Saúde Mental e Psiquiatria de Limeira foi fechado em 1944, devido à falta de verbas durante a Segunda Guerra Mundial. - Ela fez sinal para uma placa ao lado da porta frontal do prédio. - Porém, pessoas que vivem nas redondezas sempre relataram experiências "sobrenaturais" relacionadas à esse lugar. Gritos, barulhos estranhos, sombras, vultos e até visões de pessoas há muito mortas. Alguns afirmam que ainda há espíritos aqui, um reflexo dos horrores que passaram durante suas vidas. Os mais céticos acreditam que pessoas fatídicas vivem no edifício. Hoje, eu e meu amigo viemos investigar isso. - Ela sorriu, animada.

Eu sinceramente não entendo como alguém podia estar feliz por entrar em um lugar esquecido por Deus como aquele. Mas, em parte, queria aquela sensação. Queria me esquecer por um segundo de que meu mundo caía aos pedaços, e tinha certeza que o medo me ajudaria. A repórter fez força contra a porta e ela cedeu, com resistência quase nula.

Um rangido profundo foi ouvido, e senti um leve arrepio passar por minha espinha. Os dois entraram, pisando por sobre tábuas de madeira corrida que estalavam com seus passos.

- Até agora, nenhum sinal de atividade, nem humana, nem sobrenatural. - Acendeu a lanterna do celular, avançando mais à frente. - Vamos para a...

Um grito ensurdecedor interrompeu a fala da garota no meio. O câmera se jogou no chão, deixando seus óculos caírem.

- João, corra! - Ao tentar focar na repórter, foi possível ver um vulto ao seu lado. E o vídeo terminava assim. O frio na minha barriga continuava ali, assim como todas as vezes que eu havia visto aquele &.

Aquele vídeo não me aproximara de Gabriel em nenhuma forma. E, de repente, eu sabia o que tinha que fazer.

Eu tinha que ir atrás dele.

O honorável manual do fracasso #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora