IV - Tenha crises existenciais no meio da noite

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Quando cheguei em Limeira, ainda era noite. A entrada da cidade estava silensiosa, e as luzes apagadas. Eu havia ido lá apenas duas vezes visitar a família de Gabriel, mas minha memória para lugares é boa, e eu consegui me guiar até a casa de sua prima, Lisa. Quando cheguei no prédio azul, eu tinha tudo, menos vontade de entrar. Continuei vagando pela pequena cidade até que um grande edifício de pedra surgiu em minha frente. A placa ao lado da construção imponente informava que o prédio era mais antigo do que parecia.

Instituto de Saúde Mental e Psiquiatria de Limeira
1888 - 1944

Desci do carro de maneira a ampliar minha visão. As paredes descascadas e desbotadas mostravam o total descuido e descaso com o hospital e sua história. A atmosfera do lugar era tenebrosa.

- Procurando por algo? - Me assustei quando uma voz feminina chamou por trás de mim. Virei para trás em posição de ataque, mas tudo o que encontrei foi Lisa, em seu uniforme profissional de delegada, sorridente atrás de mim.

- Você quase me matou. - Respondi, com o coração ainda acelerado pelo susto. A loira se aproximou e me deu um abraço caloroso. - Como você descobriu onde eu estava?

- Você passou em frente à minha casa quando eu voltava do meu turno. Não seja tão desconfiado. - Ela riu. - Vem, você deve estar cansado. Fique na minha casa por um tempo.

- Obrigada. - Respondi, e entrei no carro para seguí-la, olhando uma última vez para o prédio maciço atrás de mim. Balancei a cabeça, como para me livrar do mau astral daquele lugar.

Segui o carro verde da policial até o prédio de lajotas azuis. Entramos no apartamento dela, e Lisa me indicou o primeiro quarto no corredor:

- Descanse lá. Amanhã conversamos.

Segui para a sala e fechei a porta. Uma colcha de retalhos e um travesseiro estavam sobre o sofá. Eu não soube como, mas tive certeza que Gabriel estivera ali. Afastei o pensamento, e por um segundo, pude imaginar sentir seu perfume.

O sol começava a nascer quando fui me deitar. Rolei de um lado para o outro do sofá, inquieto. Eu estava começando a pegar esse hábito que me acompanharia em inúmeras noites mal-dormidas.

Passei a madrugada quase em claro. Não me lembro muito do que fiz, mas lembro-me da angústia e do desconforto.

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Quando acordei, o cheiro de algo queimando me atingiu de imediato. Continuei deitado, até que meu cérebro processasse, que de fato, havia algo queimando. Levantei em alarde, e corri pelo corredor estreito, procurando a fonte do odor. Não havia nenhum sinal de fumaça, e tudo estava tranquilo. Todas as portas abertas, menos a do quarto de Lisa.

Merda.

Abri a porta com rapidez, apenas para me deparar com a mulher seminua que queimava alguns pedaços de papel com um isqueiro junto à janela.

- Leonardo! - Ela gritou quando percebeu que eu estava ali, a observá-la escancaradamente. Passei os olhos rapidamente pelo quarto simples e bem organizado.

- Meu Deus, desculpa! - Eu gritei de volta, e fechei a porta com violência quando percebi o que acontecia. Fiquei tão envergonhado com a cena que não me lembrei do papel queimado.

Saí do prédio a pé, precisava pensar. As ruas estavam apinhadas de adultos que já se dirigiam para seus empregos, por mais que fossem apenas 7 horas da manhã. Tudo parecia pintado com tons de cinza. Caminhei pela avenida, observando faces apáticas caminharem com pressa para os seus postos de trabalho.

Não havia checado se Gabriel tinha respondido, já que sabia que encontraria inúmeras ligações de meus pais logo pela manhã. Havia apenas enviado uma mensagem informando que estava bem, e que depois eu ligaria para explicar com mais detalhes.

O honorável manual do fracasso #Wattys2016Onde histórias criam vida. Descubra agora