Ataque do Monstro

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Mas Walter agarra-me pela cintura antes que consiga chegar ao ponto que quero. Deixo-o girar-me nos seus braços sem protestar e olho para ele sem dizer nada.

-Sam! Para! Não vale a pena. Só te vais magoar e arranjar problemas! - suplica-me e respiro fundo para me acalmar sabendo que com aquela proximidade entre nós ele acabaria por ser o único a magoar-se se me passasse.

-É isso, faz o que o teu namoradinho pede, princesa. Evitas acabar com alguma coisa partida assim.

E sentindo-me no meu limite e sem pensar em mais nada empurro Walter para longe de mim e num piscar de olhos estou a fazer com que a enorme cabeça daquele bêbado machista bata continuamente na mesa mais próxima, que fica partida em duas.

Ouço-o gemer de dor, o seu corpo a tentar contorcer-se para se defender mas a minha mão a agarrá-lo pela nuca a impedi-lo de o fazer.

Mas o meu objetivo é fazê-lo chorar. E vou-me rir.

Ouço chamarem pelo meu nome mas neste momento já me encontro demasiada envolta pela onda de descontrolo para sequer identificar a origem da voz.

Atiro-o contra a parede com toda a força e a sua cabeça enterra-se num dos muitos quadros de Jazz de James. Agora irremediavelmente partido, a moldura cai ao chão quando o puxo e ainda faço com que ele embata com toda a força contra o balcão.

A arfar de dor, ele olha para mim aterrorizado e ali, no canto dos seus olhos, vejo o meu desejo escorrer-lhe pelas faces como água tingida de rosa ao deslizar pelas suas faces manchadas de sangue.

Mas antes que possa fazer mais seja o que for sou agarrada por dois pares de mãos, um par em cada braço, que me prendem no meu lugar.

Já mais calma depois de descarregar as minhas frustrações no nada inocente homem, abano a cabeça e murmuro de forma nada convincente para me largarem. Ambos hesitam por segundos mas depois acabam por me conceder esse favor, mas ficando mesmo atrás de mim para me impedir de saltar sobre ele outra vez.

Ofegante, levo a mão ao peito e sinto o meu coração a bater a velocidade tal que não consigo contar os batimentos.

Olho para cima, para a minha vítima, para o rosto inchado, o sangue que lhe mancha o rosto e o nariz torto, definitivamente partido. E ao ver o estado horrível em que o deixei, percebo que o tinha atacado com o intuito de matar.

-ÉS UM MONSTRO!! - grita histérico ao olhar para mim em choque. As lágrimas agora a caírem sem parar.

Ele está embriagado, humilhado por uma única mulher e ainda em estado de choque. Mas apesar de saber isso não consigo impedir as palavras de saírem da minha boca.

-Comporta-te como um homem a sério e não te humilhes mais. - digo num tom demasiado frio para a situação em questão. Depois ergo a mão e aponto para a porta. - Se sabes o que é bom para ti, vais sair agora por onde entraste.

Sem sequer lançar um único olhar na minha direção, o homem apressa-se a sair a correr e tão depressa como ele sai, o bar é inundado pelo som de sussurros e comentários sobre o que acontecera.

Tudo para depois serem silenciados pela voz imponente e rouca de Walter.

-Por hoje já chega, saiam todos! - ordena enquanto caminha até mim com uma cara nada amigável.

Ao ver a expressão no seu rosto penso que ele me vai expulsar para sempre do seu estabelecimento, daquele meu refúgio onde me escondo e fujo dos meus problemas. Mas em vez disso ele aponta-me o dedo e diz numa voz ligeiramente mais suave.

-Tu ficas!

E só com essas palavras assistimos aos clientes todos a irem embora rabugentos e ainda a recuperar do sucedido. De seguida, ele fecha a porta à chave e vai-se instalar no seu local habitual no interior do balcão enquanto reclama consigo mesmo sobre a mesa e quadro partido, sobre ter de arrumar aquilo tudo antes que James abrisse o café de manhã e em como aquilo ia ser um prejuízo para o negócio pois mandara todos os clientes embora sem que lhes desse oportunidade de pagarem.

Sentindo pela primeira vez em muito tempo um nervoso miudinho no estômago, olho para as minhas mãos salpicadas de sangue e esfrego-as nas minhas calças escuras, esperando que o preto do tecido esconda bem as manchas ensanguentadas.

Sento-me então no meu assento habitual e cruzo os dedos das mãos para me acalmar.

Depois do que parece uma longa meia hora sem que me dirija palavra, finalmente Walter quebra o silêncio ao pousar um copo largo com uma bebida, verde no fundo e vermelha no topo, há minha frente enquanto segura noutra com uma mão e bebe tudo de uma vez.

Observo a sua maçã-de-adão a mover-se incansavelmente enquanto ingere a bebida e depois com um suspiro ruidoso pousa pesadamente o copo vazio ao lado da sua cerveja ainda meia por beber e esquecida.

-Morango, kiwi e vodca. Melhor beberes antes que as frutas se comecem a misturar. - afirma rispidamente e olho a bebida nada semelhante ao meu pedido habitual com curiosidade.

Dou um pequeno gole e sinto o sabor amargo da mistura das duas frutas enquanto o calor do vodca me faz sentir as bochechas a arder e começar a corar. Pisco os olhos seduzida pela sensação mas depressa volto a sentir-me igual há minha miserável pessoa.

-Eu não mereço uma bebida. - comento, deslizando o indicador pela borda do copo.

Quando ergo o olho do que estou a fazer, noto que a sua expressão continua a ser ríspida e parte de mim deseja poder sentir-me culpada pelo que fizera.

-Eu sei. - retorque. - Mas eu sim. - Depois abre os braços englobando o seu, agora solitário, trabalho noturno. - Ainda para mais, agora que terei de dar satisfações por ter perdido centenas de euros de lucro, mais ainda as perdas materiais.

Passo uma mão pelo meu cabelo, apenas para me relembrar da pouca cabeleira que ainda me resta, e bebo o resto da minha bebida antes que ele se decida a tirar-ma.

-Desculpa. - peço fixando o meu olhar no dele.

Walter suspira e, com ambos os cotovelos pousados sobre o topo do balcão, passa as mãos pelo rosto.

-Infelizmente, desculpas não vão refazer o que aconteceu. - diz depois de esfregar a barba com os dedos. - E não vou fazer acusações. Tu agiste mal, mas ele também provocou e o maior culpado disto sou eu por não o ter impedido desde o início.

-Não és culpado de nada. Eu disse-te, má vida, as coisas não me andam a correr muito bem ultimamente. - tento justificar-me mas perguntando-me a quem estou a tentar enganar.

Olha para mim pensativo e depois simplesmente abana ligeiramente a cabeça levando o polegar e o indicador às têmporas.

-Simplesmente promete-me que não volta a acontecer, por favor.

Anuo com a cabeça e tento sorrir para o confortar.

-Prometo. E eu ajudo-te a limpar tudo, é o mínimo que posso fazer. - digo e depois de alguns segundos de ponderação ele acaba por soltar um último suspiro e erguer um canto do lábio.

-Ah podes crer que ajudas, sim. - afirma atirando-me o seu pano para cima de mim. - E podes começar agora mesmo por apanhar os fragmentos da moldura do chão e colocá-los no lixo. - Aponta para o caixote do lixo, publicidade a uma marca qualquer de cerveja, e ponho então mãos à obra enquanto ele vai buscar a esfregona e a vassoura ao armário da limpeza.

Começo a apanhar os pedaços de vidro do chão quando o ouço chamar por mim e, quando olho para o lado, vejo-o armado com ambas as peças pronto a atacar o caos e a desarrumação.

-Sam, acerca de teres uma má vida... - Ele hesita por um bocado e depois lança-me o flash de um sorriso. - Apenas... sabes que podes contar comigo para o que precisares, certo?

Fico ali parada a olhar para ele e a ingerir a informação antes de dizer que sim e sorrir-lhe, provavelmente o mais próximo que alguma vez tive de um sorriso verdadeiro nos últimos tempos.

E, sem dizer uma única palavra, dedicamo-nos cada um ao seu dever e passamos a próxima hora no mais puro silêncio.

The Devil's LoverOnde histórias criam vida. Descubra agora