É já noite cerrada quando alcanço o meu destino. As poucas pessoas que olham parecem ignorar-me propositadamente e um ou outro olhar dá-me a sensação que sou como uma aparição fantasmagórica para elas.
Durante cerca de dez minutos fico ali parada, encostada a um candeeiro de rua cuja luz apagara imediatamente mal me aproximara, fixando o meu olhar no edifício de tijolos expostos à minha frente.
Apesar da luminosidade fraca que o envolve, não me parece que se trate de um prédio degradado, mas apenas de uma escolha estética.
Avanço em frente quando tenho finalmente a certeza que não corro o risco de ser observada e sem muito esforço, depois de passar para o outro lado da rua, agarro-me à beira de uma janela do primeiro andar e começo a trepar até me encontrar frente a frente com o meu alvo, no quinto andar.
A missão desta noite é recuperar um artefacto antigo. E com recuperar refiro-me a roubar. E com artefacto antigo refiro-me a algo com milhares de anos.
E sendo algo criado nas profundezas do Inferno, passa a ser obrigatoriamente maligno, demoníaco e perigoso. Eu sei do que falo, a minha experiência de vida assim mo dita.
Demasiado perigoso para ficar nas mãos de um simples humano, idiota o suficiente para se interessar por artes negras e que, como em todos os casos, acabará morto pelas garras de algum demónio menor.
Normalmente não tentaria recuperar algo assim para um cliente, independentemente da quantidade de dinheiro que me oferecesse. Se ameaçasse oferecer o trabalho a outra pessoa caso eu não aceitasse eu ainda incentivava o gesto.
Não preciso de ter mais sangue nas minhas mãos.
Se alguém quiser esse fardo, que vá em frente, mas não darei algo a ninguém que ache que possa prejudicar o equilíbrio entre a vida e o submundo. Deixo esse direito para os inúteis que se consideram capazes de o fazer.
Mas desta vez estou curiosa para verificar se realmente é algo autêntico ou apenas uma falsificação. Se o meu palpite estiver correto poderei voltar a casa com menos um peso sobre os ombros mas se a maldita coisa for real...
Através do espaçamento entre os estores noto que o a divisão se encontra vazia, mas apenas como uma forma de verificar bato ligeiramente com os nós dos dedos no vidro da janela esperando por uma resposta que não vem.
E então, lançando um último olhar para baixo e escrevendo uma nota mental de que se escorregar vai ser uma queda dolorosa, mesmo que caía de pé, foco toda a minha concentração na minha mão direita enquanto me mantenho segura com o cotovelo no peitoral da janela e as pontas dos pés rigidamente presos contra duas brechas num par de tijolos.
Sinto a energia a percorrer-me o corpo com o esforço, mas segundos depois uma ligeira dor, como o picar de uma agulha, desponta das extremidades dos dedos da minha mão liberta e esta começa a enegrecer. Primeiro a pele nos dedos, percorrendo depois as costas da mão até ao pulso e desaparecendo por baixo das mangas do casaco.
E por fim as minhas unhas crescem, aguçadas como lâminas e escuras como o aço brilhando com a luz sobrenatural da diminuta lua curvada num sorriso trocista lateral.
Com um suspiro e puxando o meu peso mais para cima encosto a ponta de uma garra ao vidro e tal como o corte de um diamante formo um circulo suficientemente grande para eu entrar e empurro-o para dentro.
O som de vidro a estilhaçar é audível quando o recém cortado circulo atinge o chão e faço um esforço para me poder apoiar melhor na beira da janela e daí entrar no quarto escuro.
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The Devil's Lover
ParanormalVivi milhares de anos. Centenas de vidas. Conheci biliões de pessoas e visitei milhões de lugares. Mas no entanto fujo - do meu destino, de quem sou, de quem tenho de ser. Eu não mereço isto mais que qualquer um e ao mesmo tempo sei que só a mim me...