- Sua mãe me contou que aconteceu de novo, ela disse também que você está a três dias sem comer nada... Vamos Emma revele de uma vez por todas o que você sente. - diz Dr Margareth, minha psicóloga.
Não digo nada a ela, como sempre. Simplesmente a ignoro. Olho para os lados e começo a tocar os dedos.
Uma parte de mim quer desabafar, contar tudo a ela e tentar me livrar dessa dor enorme que não desgruda de mim. Mas a outra parte de mim quer ficar quietinha e guardar as dores para mim mesma, e que o mundo se mate tentando desvendar o que tanto me entristece.
- Emma, como foi o dia no colégio ontem ? Vamos me conte - diz Dr Margareth com um sorriso sem mostrar os dentes. Olho porpara o chão procurando alguma coisa para me distrai, olho para todos os lados daquela pequena sala e então olho fixamente para Margareth.
- Foi legal - digo sem emoção
- E na sua casa ? Como anda ? - diz Margareth colocando a cabeça em cima das mãos me analisando e pensando no que irei dizer
- Tá tudo legal em casa também - digo ainda sem emoção com um olhar vazio e sem brilho.
- Oh Emma, você mente muito mal - diz ela se levantando de sua cadeira grande e preta.Ela anda até minha cadeira que está na frente de sua mesa e começa a dar voltas pela minha cadeira lentamente, e fica olhando para frente em suas voltas
- Emma, eu sei que você tentou de novo - diz ela andando em círculos em volta de onde estou sentada.Não olho para ela em nenhum momento. Fico apenas encarando um quadro que fica na minha frente logo atrás da mesa onde ela estava sentada.
- Espero não te ver novamente Emma, ou você terá que aprender a parar com isso da pior maneira - diz Margareth parando na minha frente.
- OK - Digo e quase não ouço a palavra saindo da minha boca.Me levanto e vou saindo da sala, deixando Margareth com uma dúvida no olhar.
Não que eu tenha muita coisa para fazer mas... Ir no psicólogo uma vez por semana já é demais.
Sentada no banco de trás do carro, encostada com a cabeça na janela fechada, para que a chuva não entre.
Minha mãe dirige devagar para que as rodas não escorreguem no asfalto molhado. Ela não me pergunta nada sobre oque acontece na minha vida, e nem pergunta o que eu e a Dr Margareth conversamos a uns 20 minutos atrás. Ela fica me olhando pelo espelhinho do carro com aqueles olhos castanhos e em seguida olha para a estrada.O frio consome o lado de fora fazendo com que a vista da minha janela fique embasada. Então escrevo lentamente com o dedo "alone" e logo em seguida volto a encostar a cabeça na janela.
Eu não me considero uma pessoa fraca, tem que ter muita coragem para fazer o que eu faço.
Ali estou eu mais uma vez trancada no banheiro com a navalha na mão, e com um suspiro começo fazendo um corte na horizontal, sentindo a dor chegar e com ela o sangue saindo do meu braço e caindo na pia branca do banheiro. A navalha suja de sangue cai de minha mão já no 8 corte, e então me apoio sobre a pia e fico por um tempo olhando meu reflexo no espelho. Meus olhos começam a se encher de lágrimas e então eu começo a me recordar de um passado horrível que eu tive. Um filme começa a passar pela minha cabeça, um filme em que o final era triste, e eu era a vítima.
Eu tinha apenas treze anos quando fui estrupada pela quinta vez pelo meu próprio pai.
Ainda com as mãos encostadas na pia eu fecho os olhos e lembro mais profundamente ainda.
- Me solta - grito enquanto choro alto.
Só consigo ver a cara de risada diabólica do meu pai, e consigo ver ele se aproveitando de mim, enquanto eu choro sem parar.
- Fica quieta - ele grita e me dá um tapa na cara, fazendo com que eu caia no chão. O sangue da cicatriz que se formou com o tapa começa a escorrer pelo meu rosto e mesmo assim ele não para. E então depois de 10 minutos minha mãe entra no quarto, e o tira de perto de mim. Os dois começam a discutir, e eu com apenas a roupa íntima vou para o canto do quarto, coloco as mãos nos ouvidos e começo a chorar. Meu pai bate em minha mãe até que minha irmã mais velha que está do lado de fora consegue ligar para a polícia e então meu pai é preso.Pobre mamãe mal sabe ela que aquela não teria sido a primeira vez que meu pai fazia aquilo comigo.
Então acordo de meus pensamentos e volto para o presente. Extremamente frustada. Odeio lembrar de meu passado, odeio lembrar de que eu um dia passei pelas garras de um monstro.
Bufando igual a um rinoceronte me olho no espelho e vejo o rímel escorrendo com as minhas lágrimas, e então dou um soco no espelho, fazendo se espalharem milhares de pedaços de vidro pelo chão.
Sento no chão já sem forças, minha mão sangra e sangra sem parar, meus olhos castanhos inchados pelo choro é vermelhos pelo mesmo. Me encosto na parede gelada do banheiro e aperto as mãos sangrentas sob minha cabeça e puxo meus cabelos curtos com força, e ao mesmo tempo passo meus pés pelos cactos de vidro espalhados pelo chão, criando machucados em meus pés.Ouço baterem com força na porta do banheiro de uma maneira desesperada.
- Filhaaa, não faz isso comigo, sai dai
- grita minha mãe com o desespero na voz.
- Não é nada, só o espelho que caiu - digo com a voz rouca de choro
- Então sai dai, Emma, isso machuca - diz mamãe gritando e batendo na porta
- Não vou sair - grito - Eu estou bem me deixa aqui - finalizo.Consigo ouvir ela choramingando e saindo de perto do banheiro, e então volto minha atenção para o banheiro completamente sujo de cactos de vidro e sangue.
Fico olhando cada canto daquele banheiro e pensando que por mais que o tempo passe e as coisas mudem, a cicatriz do meu passado nunca vai desaparecer.
![](https://img.wattpad.com/cover/75038698-288-k248048.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
Garota De Papel
De TodoEmma é uma garota de 16 anos que mora com sua mãe desde o dia que seu pai foi preso. Ela não sente saudades dele pois ele deixou marcado nela uma cicatriz que nem o tempo consegue apagar. Emma vai passar por muita coisa nessa vida, mas, essa histó...