Eu menti.
Menti para minha mãe, menti para mim mesma.
Mamãe também mentiu para mim, ela disse que não falaria mais de meus problemas para o resto do mundo.
E ela não cumpriu. Ela continuou a falar sobre mim para minhas tias, para minhas primas, para todo mundo. Ela falou da minha tentativa de suicídio.
Falou dos meus cortes, e falou o quanto eu era diferente.*
Lisa é uma garota completamente preconceituosa.
Fui descobrir isso hoje pela manhã, eu sabia que Lisa era má. Mas não tento assim.Ando pelo corredor voltando do intervalo.
- Emma - grita Madeleine se aproximando de mim.
- Oi ?- digo.
Ela me olha apaixonadamente.
- Você é uma garota muito bonita. - ela diz.Fiquei paralisada e ao mesmo tempo chocada. Madeleine acabará de falar que eu sou bonita. Não ligo pelo fato dela ser uma garota, apenas estranho o fato dela ser a irmã da maior patricinha da escola.
- Nossa, o...obrigada... Você também - dou um sorriso tímido.
- Que isso são seus olhos.
- Como meus olhos podem ser bonitos? se eles nem são azuis, como os de Lisa - digo com a voz baixa e tímida. Até por que era a primeira vez que eu falava com Madeleine.
- O castanho dos teus olhos são mais profundos que todo azul do mar - ela diz passando a mão suavemente pelo meu rosto.Lisa vê a cena de longe. Ela vem andando com as cinco meninas atrás dela. Na verdade as cinco meninas e Lisa não estão andando, estão desfilando. E com suas caras naturais de nojo.
- O que está havendo aqui ? - ela pergunta olhando para Madeleine, que assim que vê a irmã de aproximando se separa rapidamente de mim.
Eu não digo nada.
Viro meu rosto para encarar Madeleine. Que está tensa, e sem piscar um olho.- Eu estava indo para sala de leitura e ela me chamou... E me flertou - diz Madeleine apressadamente.
Madeleine falou que eu a cantei.
Sendo que foi ela que chegou em mim e me cantou. Eu olhei para ela erguendo uma das sombrancelhas.- E você aceitou o flerte dela, não é ?.... Olha aqui... Eu não curto muito esse negócio de lésbica... Então já que você é uma pode se desconsiderar minha irmã - Lisa diz grosseiramente - Não vou passar vergonha de ter uma irmã lésbica... Sempre soube que você era podre. - Lisa nós olha com aquele bico de patricinha e logo estala os dedos - Quando a você Emma. A escola toda vai ficar sabendo - ela ri - que você é um lésbica nojenta. Vamos meninas. - ela é as outras cinco garotas saem desfilando de perto de mim e de Madeleine.
Madeleine me olha com os olhos marejados e balança a cabeça negativamente. E sai de perto de mim.
Não acredito no que acabou de acontecer. Madeleine falou que a culpa era minha. Ou seja ela nunca se importou realmente comigo. Ela sempre quis chamar a atenção da irmã. Madeleine chega a ser mais podre que Lisa.
*
Saio da escola com minha capa de chuva. O céu nublado e as árvores balançando.
Ouço Lisa gritar.
- Olha ela ali
Eu já estou do outro lado da rua.
- O que estão esperando ?.... Peguem ela... Ela beija garotas! - ela da ordem para duas meninas e outros três meninos me baterem. E como sempre eles obedecem.Eles correm de baixo de chuva até o outro lado da rua. Nenhum deles está com capa de chuva. E seus rostos transmitem o nojo que sentem de mim.
Um garoto começa me dando um soco no mesmo lugar onde está minha cicatriz. Eu caio no chão molhado e todos começam a me chutar. Suas risadas me dão arrepios.
Os chutes acertam em cheio minha barriga me fazendo vomitar sangue.
Só assim eles param e saem correndo, voltando para perto de Lisa, que está rindo como uma hiena.Me levanto totalmente sem saber onde tocar, eu pareço uma bêbada, meus olhos enxergam tudo embaçado. Então vou voltando para casa soluçando e me apoiando nas paredes.
Minha bolsa havia ficado caída no local aonde eu apanhei.
Mamãe não estava em casa. Aposto que ela estava na casa de algum parente fofocando sobre mim. E sobre meus cortes.
Eu sei o que prometi. Eu sei que eu disse para mamãe que nunca mais me cortaria, prometi para mim mesma também. Mas eu não cumpri. Aqui estou mais uma vez me cortando, e dessa vez o sangue vem com mais intensidade, o corte é mais fundo, a dor é maior.
Dessa vez o número de cortes chega a ser maior que de todas as outras vezes. Eu acabo de fazer 26 cortes nos dois braços. Eu estava sem forças para continuar em pé. A perca de sangue era muito grande. Então eu caí no meio do banheiro.... Desmaiada.
Acordo com luzes fortes em meus olhos. E logo percebo que estou em uma cama de hospital.
- Mãe ? - digo olhando a forte luz que logo é coberta pelo rosto vermelho de mamãe. Me encarando como se fosse me engolir com os olhos.
- Você não cumpriu a promessa Emma - ela diz secamente.
Ela também não havia cumprido a dela, mas mesmo assim resolvi não tocar no assunto.
- Desculpa. - digo com muita dor de cabeça.
- É só isso que você me fala ? Desculpa ?? .... Emma você acabou de tentar se matar... Eu não aguento mais... Não sei mais o que fazer para você parar - ela diz.A dor de cabeça suaviza e então sento na cama e olho para mamãe.
- Eu não consigo parar - digo rouca.
- Eu também não consigo te fazer parar... Eu não consigo... Mas esse pessoal aqui do Centro Psiquiátrico que te internei, sabem! - ela diz pegando a bolsa de mão dela e saindo do quarto.Mamãe me internou em um Centro Psiquiátrico. Ela desistiu de mim por completo.
Coloquei as mãos nos olhos e chorei amargamente.
Eu não estava sozinha naquele quarto.
Numa cama ao lado da minha tinha um garotinho dormindo, e com o barulho do meu choro ele acordou.- Por que está chorando ? - ele diz se sentando em sua cama.
- Não é nada. - digo secando as lágrimas com meus braços nus.
O garotinho olhou diretamente para meu braço na hora que eu usei o mesmo para secar meu rosto.- Você é um anjo! - ele diz fitando os olhos em meu braço.
- O que ? - digo franzindo o cenho.
- Você é um anjo. Minha mãe disse que aqueles que têm pulsos marcados são anjos. - ele diz
- Eu não sou um anjo. - digo
- É claro que é. Mamãe disse que só anjos se cortam, por que eles não gostam da vida na terra. Eles tentam se matar para voltar para o paraíso. Eles são muitos sensíveis a dor dos outros e a deles mesmos.- Sua mãe é muito sábia. - digo suavizando meu semblante.
- Obrigado - ele diz tirando os olhos do meu braço e os fitando em meu rosto - ela também é um anjo, mas já voltou pra casa.Meu estômago se revirou dentro de mim após as ultimas palavras do garoto. Meus olhos se encheram de lágrimas. E então apenas disse.
- Eu sinto muito.
- Não sinta. Ela não precisa se cortar agora... Ela já está no paraíso. Ela está melhor em casa.
*
Ele volta a se deitar depois de um bom tempo conversando comigo. Eu faço o mesmo. Até por que já sei que terei que ficar nesse Centro Psiquiátrico por um bom tempo.

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Garota De Papel
AcakEmma é uma garota de 16 anos que mora com sua mãe desde o dia que seu pai foi preso. Ela não sente saudades dele pois ele deixou marcado nela uma cicatriz que nem o tempo consegue apagar. Emma vai passar por muita coisa nessa vida, mas, essa histó...