CAPÍTULO DOIS

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Agosto de 1909. Uma mulher sozinha viria morar na casa da montanha.

Essa era a notícia que se ouvia de todos os homens que iam à cidadezinha mais próxima para comprar o necessário para as suas famílias e sorrateiramente olhar as belas damas que passavam sempre acompanhadas pelas ruas.

Em casa as mulheres também comentavam com vizinhas o que para elas era um fato inusitado. Uma mulher morar sozinha.

Afinal, as moças de famílias mais abastadas eram educadas para serem boas esposas, submissas aos maridos.

Desde crianças, eram bem alimentadas para serem mães de filhos fortes e saudáveis.

As mais humildes, desde crianças eram ensinadas a cozinhar, lavar, passar e limpar a casa. Quase meninas eram levadas para serem empregadas nas casas mais ricas, onde passavam a esperar que um dia aparecesse um bom homem que as retirasse do trabalho doméstico.

O que afinal não modificava a situação. Casariam, teriam um filho por ano e envelheceriam dentro de suas casas, como sempre trabalhadoras submissas.

E assim, a chegada de uma mulher sozinha na casa da montanha, era um evento curioso tanto quanto fora a invasão da casa há décadas atrás e a morte de Guadalupe e sua família.

A curiosidade começou a ser satisfeita quando chegou um comboio de duas grandes charretes, trazidas por duas parelhas de cavalos, uma branca e outra preta.

Da primeira charrete, desceu uma mulher. Meninos travessos, filhos de camponeses que se esgueiraram pelo mato, viram tratar-se de uma bela mulher, alta e vestida de negro, o que ressaltava sua pele de porcelana e seus cabelos vermelhos como o fogo, que segundo ouviam nas estórias contadas por seus pais, queimara as últimas pessoas que ali moraram.

E ficaram esperando que um homem descesse também. Seria ele o condutor. Mas isso não ocorreu. A charrete estava com a boleia vazia.

A linda mulher dirigiu-se a outra charrete com cavalos brancos e trocou algumas palavras com seu condutor. Então, dela desceu um homem alto e magro, com trajes escuros e chapéu preto.

– Parece um espantalho, daqueles que o meu pai coloca nas plantações– Pensou um dos meninos, esforçando-se para não rir. Não queria ser descoberto.

Mas para tristeza dos expectadores, o homem abriu os portões da casa, que rangeram sob o peso da ferrugem acumulada durante tantos anos. A mulher havia voltado para a charrete.

Após a passagem destas, os portões de fecharam e os meninos não puderam ver mais nada.

Pelos dias que se seguiram, os moradores esperaram que algo mudasse naquela casa, que chegasse uma visita, um dos vizinhos novos para pedir uma informação.

Mas nada, até que na noite do quarto dia em que os moradores misteriosos haviam chegado... Sim, agora já se referiam aos moradores. Já sabiam que se tratava de um homem e de uma mulher. Apenas não sabiam qual era a ligação entre eles...

Eram cerca de dezenove horas e Franz Büscher estava jantando com sua esposa e filhos, quando alguém bateu na porta.

Franz estranhou visitas noturnas, pois nos costumes do local, de dia trabalhava-se, à noite a família se reunia para jantar e dormir cedo.

Porém, levantou-se e foi até a porta. Ao abri-la, quase se assustou com seu visitante.

Um homem magro, pálido e com olheiras profundas esperava por ele. Com um sotaque carregado, de uma região a qual Franz Büscher não soube decifrar, saudou-o:

– Boa noite! Eu sou Wilfried Schmidt, o mordomo da senhorita Eule Schlüter, e venho aqui cumprindo uma determinação dela.

Apreensivo, Franz convidou-o a entrar.

–Serei breve – Completou como se soubesse que a sua estranha figura estava gerando desconforto.

– A senhorita Eule precisa de uma moça que possa fazer as tarefas domésticas. Ela é muito frágil, enfrenta problemas de saúde e não pode cuidar da casa. O senhor tem uma filha, ou conhece alguém que tenha essa pessoa que eu procuro? Ela tem dinheiro e pode pagar muito bem.

Após o quase monólogo do mordomo, Franz comprometeu-se a ajudar.

Desculpou-se, dizendo que sua família era composta de filhos do sexo masculino, mas informaria aos amigos de que a patroa dele necessitava de uma empregada.

Convidou o mordomo para o jantar, por um simples gesto de educação, desejando, no íntimo, que a resposta fosse não.

E para sua satisfação, o estranho homem agradeceu, dizendo não poder ficar, pois sua patroa estava sozinha.

E se foi, deixando Franz a pensar que em um ano difícil, de colheita escassa, muitos de seus amigos ficariam satisfeitos por uma filha conseguir um trabalho e algum dinheiro a mais para ajudar nas despesas da casa. 

Lilith Meu Livro Proibido!Onde histórias criam vida. Descubra agora