(Narrado por Milena)
Eu poderia estar amargando o fim de meu namoro, choramingando para as minhas amigas, me empanturrando de chocolate, ouvindo as mais tristes da Adele e vendo o fantasma do Enzo em qualquer elemento da natureza. Mas eu nem posso dizer que tenho amigas, por exemplo. Chocolate eu como em qualquer ocasião, comigo não tem dessa (desde quando uma mulher gordinha e, ahn, desencanada com isso, precisa de motivo pra comer chocolate?). As músicas da Adele, por alguma razão curiosa, não me afetam emocionalmente, o que já me fez desconfiar se essa indiferença não é, na verdade, psicopatia. Estou vivendo a vida normalmente, numa boa mesmo. Eu estava atrás de uma forma de terminar o namoro com Enzo há um tempão. E do nada o cara me vem com uma história de que estava perdidamente fisgado por uma outra mulher, e pá! Terminou tudo comigo. Tipo, como isso não poderia ser uma bênção? Eu fiquei protelando por tanto tempo, que a coisa toda aconteceu sem eu precisar me esforçar. Ora, é óbvio que, se aconteceu, é porque tinha que acontecer.
Mas eu sou humana, e mais do que isso, mulher. Claro que ainda estou curiosa pra saber quem foi a cretina que fez a cabeça do Enzo, um ser que aparentemente fazia o tipo perfeito de homem, que jamais poderia se balançar por uma qualquer. Se isso for verdade, logo ela não é uma qualquer. No entanto, enquanto isso não pode ser desvendado, eu não vou ficar em casa estagnada, apenas vivendo para trabalhar. Milena Kerber? Não mesmo.
Nos últimos dois meses, tive alguns encontros, nenhuma grande coisa. Como eu disse, sou humana. Sinto o peso da solidão, preciso de companhia. Não posso ter isso com Sávio, pois todo mundo sabe que ele é quase um irmão pra mim e, em termos de companhia masculina, não estava a fim de sair com um irmão. Então lá fui eu, com a cara e a coragem, aceitar uns convites pra jantar ou ir ao cinema de alguns pretendentes que vinham me azilando há um tempo (ainda há quem fale "azilando"? Parece tão 2010, e hoje até mesmo as expressões e gírias estão ficando rapidamente obsoletas, na mesma velocidade que os telefones celulares).
Meu primeiro encontro foi com um moço chamado Arthur, fomos ao cinema assistir ao Exterminador do futuro: gênesis e até hoje eu estou sem saber se era um reboot, uma continuação ou uma trama paralela, visto que o rapaz ou ficava me contando detalhes dos bastidores da produção do filme e outras informações desinteressantes no momento ou tentava criar um climinha romântico, chegando a tentar tocar na minha mão "sem querer" umas dezesseis vezes ao longo do filme. Arthur fora da lista? Com toda a certeza.
Depois saí pra comer num restaurante japonês com o Frota. Ele é policial, então geralmente atende pelo sobrenome. Ainda bem, porque eu passei a noite toda temendo por não recordar do seu primeiro nome, mas ainda acredito que seja Abmael ou Flávio. Frota era divertido, não era do tipo nerd pavão como o Arthur, a fim de ficar exibindo todos os seus conhecimentos da cultura pop. O problema é que vez ou outra ele deixava escapar que ainda nutria sentimentos pela ex-namorada (nota para os homens: se vocês ainda sentem algo pela ex-namorada de vocês, tentem disfarçar melhor quando estiverem com outra mulher num encontro, porque não é nada divertido testemunhar o seu sorriso enquanto você demonstra a maneira que a fulana comia o temaki). Frota está fora da lista? Sim, e com altíssimas chances de jamais voltar pra ela.
Por último, saí com um amigo do Sávio, o Kellison. Sim, eu sei o que você está pensando: "Mas, Milena, já imaginou se você se apaixonasse por esse cidadão? Seus amigos iriam te zoar pro resto da vida ao ver no Facebook: MILENA KERBER ESTÁ EM UM RELACIONAMENTO SÉRIO COM KELLISON QUALQUER COISA". Kellison!! Que nomezinho... peculiar, não? Antes fosse esse o problema, de verdade. O caso é que fomos a uma espécie de lanchonete-bar no centro da cidade, meio badaladinho porque abriu recentemente. Lugar simpático, perfeitamente encaixado nessa modinha de locais gourmet. A proposta do Kellison foi fazer um programa jovial e ao mesmo tempo sofisticado. Fiquei seduzida pela ideia e por isso topei. Ele disse que ia fazer o pedido "pra poder me surpreender", segundo suas próprias palavras. O que chegou à nossa mesa, então, foi algo parecido com um crepe, só que com uma massa temperada com noz-moscada, com recheio de carne e queijo e um molho branco levemente acebolado. Estava delicioso, mas quase perdi o apetite quando resolvi entrar numa de explorar o território desconhecido que era o moço.
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DESAPAIXONANTE-- 2a Temporada
HumorContinuação da websérie literária Desapaixonante