Episódio 04: A princesinha do papai

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(Narrado por Milena)

Como uma mulher de 28 anos, sem namorado há uns dois meses e meio e um pouco acima do peso se prepara para um encontro, sem demonstrar qualquer sinal de desespero? Tipo, eu não estou nem um pouquinho desesperada, até que sei lidar numa boa com a solteirice, mas algumas pessoas enxergam sinais mesmo que não existam. E não me importo tanto com o que pensam a meu respeito, mas também não gosto da sensação de carregar à minha volta a aura da mulher solteira que já está indo a um encontro apenas dois meses depois do término do namoro. Sim, eu fui a três encontros antes deste, mas — céus!— eu realmente prefiro nem levar em conta essas barcas furadas.

Tudo isso, após refletir mais umas três vezes, começa a soar como uma preocupação à toa, ridícula e até mesmo infantil. Milena, vê se cresce!

A questão é que talvez eu esteja com uma ponta de preocupação porque tenho consciência de que estou prestes a sair com um homem diferente. Ivan Castro. Depois de ver que ele descobriu meu endereço de e-mail e entrou em contato, fiquei curiosa. Claro, antes disso eu já havia notado o quanto ele parece ser uma pessoa bastante interessante, na vez em que pisei em seu bar, o Deleite. Negro, porte atlético, alto, cabelo ralinho, cheiroso, uma voz com um grave suave e dono de um sorriso que arrebata a atenção de imediato. Me dá um pequeno siricotico (e esta palavra está sendo empregada num sentido muito mau) ao ver que ele lembra um pouco aquele cantor Alexandre Pires. E pagode não é, definitivamente, a minha praia. Espero que também não seja a dele.

Mas ora essa, por que me preocupar se é a praia dele ou não? É só um encontro, que expectativas idiotas são essas? Enfim... Voltando ao que eu dizia, respondi ao e-mail dele e logo migramos a comunicação para a via mais prática que existe ultimamente, o WhatsApp. Desde então, a gente se fala praticamente todo dia, e quase sempre as conversas são longas.

Para uma mulher como eu, oficialmente uma expert em achar defeitos em potencial nas pessoas e, assim, construir um perfil desapaixonante sobre elas, tem sido um desafio e tanto "ler" o Ivan. Não que ele não tenha defeitos ou características que venham a culminar num motivo (banal ou não) para eu não ter qualquer interesse por ele, mas até então nada de realmente relevante se apresentou. Se ele fosse um cara que aprende inglês vendo Dora, a aventureira ou Dothraki com vídeo-aulas no Youtube, o diagnóstico sairia mais fácil. Tudo bem, o sujeito tem mania de colecionar coisas e tal, mas exigir normalidade integral de um ser humano faria de mim uma mulher tola e megera.

O "problema" (se é que posso chamar assim, portanto as aspas) é que esse ar de mistério é o que tem sustentado todo esse suposto interesse que eu sinto por ele. Parece que ainda há muito mais a se desvendar a respeito de Ivan Castro. Cada papo que a gente tem pelo Whats me puxa mais adiante na curiosidade sobre o que ele tem a me oferecer enquanto companhia, amizade e novidade para a minha vida. Aparentemente, esse bem-estar misturado com uma boa disposição de aprofundar o contato é recíproco. Tanto que hoje vamos sair para jantar.

E estou aqui de novo, parada, de frente para o espelho, experimentando a enésima combinação de roupas para a ocasião. Lanço um olhar de lamento e indecisão para minha cama, onde outras peças de vestuário jazem descartadas. Essa vida de mulher moderna é um saco, às vezes.

Confesso que fiquei meio apreensiva com essa história de sair pra jantar. Aonde se vai para comer com um cara que é proprietário de um lugar onde você já pode fazer isso? Bom, concordamos que o Deleite não seria ideal para o que queríamos, já que lá o clima é muito mais de trabalho do que descontração, para Ivan. Então fechamos em ir atrás de um local que servisse uma boa massa. E eu insisti que não ia rolar dele pagar a conta toda (pois é, sou dessas, adepta do "racha a conta", fazer o quê?). É um encontro de amigos. É, eu sei, tenho idade e vivência suficiente para saber que isso não passa de um subterfúgio para a possibilidade de que todo encontro entre um homem e uma mulher gere algo mais. Entretanto, existem algumas conveniências sociais que precisam ser observadas, como, por exemplo, o fato de que estou perfeitamente capacitada para sair com alguém, sem importar qual será o resultado disso, e bancar minha própria parte. Afinal, a gente conquista independência para quê?

DESAPAIXONANTE-- 2a TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora