Episódio 03: Bicha má

8 2 0
                                    


(Narrado por Sávio)

Eu estava usando um terno preto, camisa branca e gravata cor-de-vinho, sentado a uma mesa redonda de mármore, enorme, com um prato vazio à minha frente, provavelmente esperando para ser servido. Dava a entender que eu seria o anfitrião e, dali a pouco, teria mais alguns convidados, pelo fato de haver outros pratos e cadeiras vazios. De algum lugar, como que do nada, elas começaram a surgir, cada uma prestes a tomar seu assento, caminhando graciosas, elegantes e extremamente belas. Sophie Turner, Carice Van Houten, Marina Ruy Barbosa, Jessica Chastain, Isla Fisher... E o time ainda não estava completo. Juntaram-se a nós também Scarlet Johanson, com a coloração usada na franquia Os Vingadores, obviamente. Até Jessica Rabbit resolveu dar o ar da graça, apesar de sua presença ser uma bizarrice incontestável. Nesse momento, torci para que a princesa Merida não fosse a próxima figura inusitada de desenho animado do meu célebre jantar.

Eu tinha a atenção de todas. Qualquer asneira que eu pronunciasse as deixava fascinadas, risonhas, captas em meu insuperável charme. Até que uma última, marchando elegantemente como a convidada especial da noite, veio até à mesa e conseguiu que Sophie Turner lhe cedesse o lugar. Mas, ao contrário das demais, eu não podia ver o rosto da recém-chegada. Era uma espécie de borrão, e seus cabelos ruivos eram a única coisa que me alentava a respeito de sua identidade. Seus gestos não me eram estranhos, seus maneirismos continuavam os mesmos... Sem dúvida, era Anna. Anna Munhoz. A mulher que me transformou no Sávio que sou hoje. Reunida às minhas ruivas favoritas, mas por algum motivo encabeçando o movimento.

E aí, graças a Deus, soou o alarme, estridente. Estava livre daquele sonho tão gostoso quanto perturbador.

Hoje tem um cliente novo para conhecer. Para ser sincero, gostaria que hoje fosse um dia mais tranquilo, com simples relatórios para fazer ou quaisquer trabalhos que me permitissem deixar a cabeça folgada. Não estou no clima para lidar com clientes, e me parece que o cidadão que conhecerei hoje é um sujeito meio inconveniente. Sei lá, saquei um pouco isso apenas pelo e-mail preliminar que ele enviou.

Desde a volta de Anna, alguma coisa ficou abalada na minha estrutura emocional e mental. Tenho tido alguns sonhos em que ela aparece, mesmo que seja apenas como um vulto, por míseros segundos. Milena ficou um pouco estranha desde o ocorrido porque, afinal, ela me conhece melhor que todo mundo, e percebeu que esse fato deu uma desestabilizada em mim. Mas a estranheza de Milena deve dizer respeito a uma sensação de frustração pois, se eu estava me sentindo inquieto com a volta de Anna, de algum modo minha parceira também foi atingida, já que foi ela quem me ajudou a pôr um fim ao furacão que Anna causara em minha vida. Todo mundo sabe, eu fui o "experimento que deu certo" dentro das técnicas de desapaixonamento aplicadas pela Mile. E ela deve estar achando que, após todos esses anos, tudo não passou de fracasso.

Claro que eu não quero que ela pense nisso, porque a minha paixão pela Anna morreu definitivamente, está enterrada e seus ossos por certo já viraram farinha para minhocas. O problema aqui, na realidade, foi eu ter alimentado o desamor, em vez de trabalhar para esquecê-lo. Uma dica para a vida: não alimentar o desamor, mas dedicar-se a esquecê-lo, aí você não terá sonhos frequentes e esquisitos. Olhando por esse lado, começo a considerar que teria sido melhor que a princesa Merida, de Valente, tivesse aparecido no sonho com as ruivas múltiplas.

Mas o que estou fazendo? Eu afirmei categoricamente que minha paixão por Anna fora enterrada, certo? Então por que parece que existe um furo nessa honestidade tão ferrenha? O quanto eu sei sobre paixão a ponto de garantir que todos os meus sentimentos por Anna, de fato, foram embora de vez? Faz um bom tempo que eu domino conhecimentos sobre a "despaixão", portanto posso muito bem ter desaprendido todos os conceitos envolvidos no gostar de alguém. Logo, melhor ficar temporariamente de boca fechada.

DESAPAIXONANTE-- 2a TemporadaOnde histórias criam vida. Descubra agora