Capítulo 23

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Tudo ainda era muito confuso. Eu via alguns barcos flutuando preguiçosamente na linha do horizonte, mas ainda não havia criado coragem suficiente para levantar-me e procurar ajuda. Tentava com todas as forças lembrar de alguma coisa que pudesse ser usada pra localizar onde eu estava ou como chegara ali, mas tudo que eu sentia era uma dor de cabeça enorme causada pelo esforço. Respirei fundo e forcei-me a me levantar, minhas pernas ainda trêmulas de uma dor que eu não sabia a origem, mas piorava quando caminhava. Fiz o possível para ignorar tudo aquilo, o instinto de sobrevivência falava mais forte.

Tirei um pouco da areia que grudara em minhas pernas com a mão e notei que o toque levemente piorava a dor. Logo passei as mãos pelos cabelos, sentindo os nós causados pelo vento e naturalmente fiz um coque com o próprio cabelo, que não adiantou muito, mas me deu a falsa sensação de estar apresentável caso achasse ajuda.

Pela primeira vez, vi que havia algumas crianças brincando na areia a mais ou menos quinhentos metros de onde eu estava, acompanhadas por duas mulheres que conversavam entre si. Caminhei até lá, notando que mancava um pouco, e não demorou para notarem minha presença e parecerem muito assustados com minha situação.

Eu não tinha um espelho, mas tinha certeza absoluta que minha aparência era preocupante.

"Desculpa, com licença..." Uma das mulheres segurava uma bebezinha, que me olhava com curiosidade. Sorria e mexia as mãos como se quisesse que eu me aproximasse, fazendo com que a mulher, que assumi ser sua mãe, segurasse seu braço com delicadeza.

"¿Estás bien? Mira, Sônia, parece que esta perdida!" Demorou alguns segundos para entender o que ela falava, mas logo reconheci que falava espanhol. Respirei fundo, tentando formar algumas frases que sabia do idioma. Entendi que ela achava que eu estava perdida, o que era verdade.

"Puede... usted ayudarme por favor?" Falei lentamente, para ter certeza de que era entendida, mesmo caso erasse alguma coisa. "Necesito saber dónde estoy."

"Caribe", intrometeu a outra senhora, que aparentemente se chamava Sônia. "Sei falar un poco de inglês pero... É difícil."

"No hay necesidad, si usted me puede compreender." Falei, mentalmente implorando para que me compreendessem, e recebendo uma concordância com a cabeça de ambas. Tentei explicar o melhor possível que não tinha onde ficar, não lembrava como chegara ali, mas que sabia que não havia ninguém que pudesse entrar contato. Apesar de estranharem, se ofereceram para me dar um lugar para dormir e uma muda de roupas limpas.

Ao pegarem as crianças pela mão e a primeira mulher, que logo depois descobri se chamar Mariana, me entregar o cardigan que levava na bolsa, saímos caminhando pela cidade. Passamos por hotéis, centros comerciais, ruas movimentadas, até entrarmos no que parecia um bairro de classe baixa, andamos mais algumas quadras até chegarmos à sua casa. Era de madeira, simples, sem luxo algum, mas eram muito asseados. Suas duas crianças dividiam um quarto, que naquela noite seria meu, e fui apresentada ao seu marido Jose, que estranhou a chegada de uma garota atipicamente branca, seminua e perdida dentro de sua casa. Após uma conversa com Mariana, ele concordou que eu ficasse até arranjar trabalho: disse que tinha alguns contatos nos hotéis que ficavam na beira da praia, e me ajudaria a conseguir um emprego como garçonete ou camareira.

Naquela tarde e noite, ajudei o que pude. Tomei um banho gelado e cozinhei para as crianças, tentei contar o que lembrava para todos, que realmente não era muita coisa. Falei que lembrava de muita água, um acidente, lembrava dos meus pais, que eles haviam falecido naquele acidente, mas que parecia a muito tempo atrás. Perguntei que dia era, me disseram doze de julho, e apesar de minha última lembrança era de semanas atrás, não contei isso a eles. Arrumei a mesa do jantar e lavei a louça após a refeição, tentando incomodar o mínimo possível, notei que já estavam fazendo muito por mim me acolhendo quando nem sabiam quem eu era.

SirenaOnde histórias criam vida. Descubra agora