- Eu vou morrer aqui.
A floresta era escura e espessa, cobrindo cada pedaço de chão que seus olhos conseguiam alcançar através do vidro frio do enorme vitral da sala. Estendia-se por quilômetros e quilômetros, a paisagem sendo apenas alterada pela massa cinzenta do Wanderers' Peak a distância, uma sombra volumosa sobre o vale. Pennelope sentia o frio que começava a atingir o Maine, gradual e silencioso, transformando todo o céu azul em um aglomerado de nuvens escuras. Tentava ignorar a presença esfuziante de Benjamin se movendo para cima e para baixo, empurrando caixas de coisas que ela não precisaria e empilhando cartas que ela se recusaria a ler.
Mal havia chegado e já se arrependia dolorosamente do momento em que se convencera a entrar no maldito avião em Quebec, deixando todo seu conforto e o que restara de sua sanidade em seu quarto residencial no Château Frontenac.
- Não seja tão dramática, Penny - ouviu o homem resmungar enquanto terminava de preencher prateleiras vazias com a coleção de xícaras coloridas que a mulher se recusara a deixar no Canadá - Você está em casa de novo.
- Nasci em Illinois. É bem diferente, acredite em mim. - gostaria de acrescentar que tivera razões fortes o suficiente para nunca mais querer pisar no país, mas preferiu manter os pensamentos apenas para si. Ainda assim, sussurrou mais uma vez - Eu vou morrer aqui.
Não que o chalé de madeira em formato de triângulo não fosse espaçoso e confortável, com suas paredes altas e iluminação amarelada, os móveis rústicos e as tapeçarias peludas ajudando na composição clichê do lugar. Havia apreciado a cama espaçosa no andar superior, a banheira aquecida com vista para o pequeno lago nas redondezas e a grande lareira trabalhada onde fogo crepitava calmamente desde o momento em que haviam chegado. Apesar de todos os pontos positivos, a ideia de passar cinco semanas confinada no meio do nada, convivendo com pessoas estranhas e a natureza selvagem ao seu redor lhe deixava longe de seu estado de espírito ideal.
- Pense positivo, então - Benjamin deu de ombros, esfregando as mãos sujas de poeira nos jeans claros que usava - Quando eu vier lhe buscar no final de setembro, finalmente teremos a versão final de The Disadvantages of Caring... depois de dois anos.
- Não me pressione. Não é assim que funciona.
Estar ali já era uma completa pressão. A definição perfeita de um presente de grego, tão porcamente embrulhado que sua mera existência já era completamente risível. Quando abrira o pesado envelope da Alexandria Publishing House meses atrás, parabenizando-a por ser uma entre os oito autores mais rentáveis da companhia e lhe convidando para uma experiência de um mês no Complexo Wanderlust, no Maine, sabia exatamente o que aquelas palavras significavam.
Um mês com todas as despesas pagas em um chalé no meio das montanhas, distante de qualquer tipo de civilização.
As entrelinhas brilhavam como fogo em sua mente: É bom que você tenha algo publicável até o final desse mês, ou dê adeus ao seu contrato.
Grande ideia, Phil Chase. Enfiar seus melhores escritores no cenário perfeito para um filme de terror. Completamente plausível.
- Sei que não. Mas aproveite, Penny. - sorriu aquele sorriso maldito onde mostrava todos seus dentes, beijando a testa da mulher rapidamente. Benjamin Lee era ao mesmo tempo o melhor e pior assistente pessoal que ela poderia ter contratado em todo o universo - Coma marshmallows na beira de uma fogueira, faça umas trilhas, pare de fumar um pouco. Faça alguns amigos. E coloque todas as suas palavras geniais para fora. Derrame-as entre as páginas. Nos vemos em cinco semanas.
Pennelope assentiu, deixando que o homem lhe abraçasse por alguns instantes. Sentiria falta de telefonar para ele no meio da tarde, gritando que lhe trouxesse mais caixas de chá ou que lesse um dos parágrafos que digitara às pressas durante a madrugada. Benjamin sempre fora o mais próximo que tivera de uma família em seu tempo no Canadá, e o lunático que a convencera a participar de toda aquela loucura.
- Se eu morrer a culpa é sua - sussurrou, sentindo o vento gelado cortar suas bochechas enquanto parava no batente da porta aberta, observando o homem descer as escadas em pulos agradáveis - Mande lembranças ao Jon, e aproveite suas férias.
- Pode apostar, chefe - gritou, antes de pular em seu jeep amarelo - Depois lhe mando as fotos da nossa lua-de-mel. Divirta-se!
Pennelope acenou, deixando-se suspirar uma vez antes de revirar os bolsos internos do casaco negro que usava atrás de seu maço de cigarros. Sentou-se nos primeiros degraus de seu novo lar, vendo suas últimas esperanças de fugir dali desaparecendo em um jeep amarelo e ouvindo a agitação eufórica de seus novos vizinhos em seus próprios chalés. Não fazia ideia de que tipo de hipster esquisito ou cult esnobe acabaria encontrando e, sinceramente, mal sabia se gostaria de descobrir. Talvez pudesse encarnar a romancista reclusa e sem rosto que preferia a solidão da própria banheira e uma garrafa de vinho tinto. Já havia usado o disfarce como estratégia de marketing certa vez, não podendo exatamente reclamar dos resultados de vendas que havia obtido com a jogada.
O caminho de Pennelope Wild até o estrelato do mercado editorial havia sido turvo e complicado, mais baixos do que altos, mais perdas do que vitórias. Ainda assim, havia dado um jeito de conseguir.
Estava ali. Era um dos oito.
Podia sobreviver apenas de um livro que havia publicado dois anos atrás e pagar a porcaria de um aluguel em um hotel luxuoso no Canadá com seus royalties e receber todo mês caixas de trufas Lindt como cortesia pela publicidade gratuita que a marca acabara recebendo através de seu romance best-seller.
Mas aquela era sua vida em Quebec. Uma vida de música clássica e chá da tarde e noites fumando cigarros caros na sacada de seu quarto apenas de lingerie. De volta aos Estados Unidos, tudo não passava de uma incógnita, de lembranças de anos difíceis que ainda arrancavam parte de seu coração toda vez que deixava seu cérebro voltar até elas.
Toda vez que acontecia, sua mão direita disparava automaticamente para a parte interna de seu braço esquerdo, onde o nome de Peregrine estava marcado para sempre em tinta negra.
O medo do passado era tão grande quanto o medo da floresta.
Parecia que ambos agora a rondavam, ao mesmo tempo, com a mesma intensidade, sufocando-a aos poucos na forma de uma voz que ela já não ouvia há quatro anos, chamando-a por um apelido que deveria ter sido enterrado junto com o corpo de Peregrine naquela noite de maio:
- Penny Lane?
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Wild Things
Mystery / ThrillerNos arredores do Wanderers' Peak, no estado do Maine, o pequeno residencial Wanderlust abriga uma coleção de chalés de madeira, escondidos pelas largas florestas de pinheiros da região e pelas noites estreladas do início do outono. É esse o lar dos...