Seis

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- Você tem certeza de que está bem?

Os olhos escuros de Camilla eram tão doces quanto sua voz, seus dedos longos evitando que uma das mechas ainda muito molhadas do cabelo de Pennelope caísse sobre seu rosto. Toda a atenção que estava recebendo por seu breve surto estava começando a irritá-la, mesmo que a mulher apreciasse o fato de que Clementine havia enrolado toalhas macias ao redor de seu corpo quando Bernhard lhe depositara no sofá de seu chalé, e Ahmose havia feito uma xícara de chá de camomila que agora descansava em suas mãos. Ninguém havia ousado questionar o motivo por trás das agressões, principalmente quando o próprio Carter parecia muito mais preocupado do que irritado a respeito delas. Ainda assim, sabia que todos os presentes naquela sala estavam apenas esperando que o interruptor da insanidade voltasse a ser disparado, sem qualquer aviso.

- Sim, estou ótima - embora a voz rouca e a expressão totalmente vazia em seu rosto contassem outra história. Seus pensamentos ainda estavam mergulhados no passado, em Peregrine e em Carter, em tudo que ela lutara tão bravamente para esquecer sem nunca ter tido sucesso em sua tarefa. Sentia frio, um frio que logo tingiria suas unhas e lábios de roxo caso a mulher não fizesse nada a respeito. Foi dali que tirou forças para enunciar claramente - Gostaria de ficar sozinha agora.

Ignorou a troca de olhares geral na sala, que viera desde a figura em silêncio de Bernhard, encostada em um dos pilares de madeira, até o cenho franzido de Ahmose ao seu lado. Pennelope bufou, sentindo um pouco da raiva que acumulara na hora anterior voltar ao seu corpo.

- Está tudo bem. Vocês estão liberados para irem interrogar o Carter e divagar sobre a minha loucura. - suspirou, esfregando o rosto com suas mãos geladas, tentando se acalmar - Tudo que vocês precisam saber é que eu vi uma coisa que não estava esperando, e foi um gatilho para... para o que vocês viram.

- Wild. - Bernhard sussurrou, alto o suficiente para que seus companheiros lhe ouvissem - Como os Wilds de Chicago, não é?

O coração de Pennelope congelou a menção de sua família, mas sua cabeça se moveu o suficiente para assentir. Se o homem sabia quem eles eram, significava que conhecia a história, e havia somado todos os pontos. Chicago, os Wilds, Carter. Não era tão difícil assim, não quando a coisa toda havia se espalhado pelos jornais e noticiários do país, quando Carter era famoso exatamente por aquela história. Mas as pessoas geralmente não ligavam Pennelope a ela, ninguém associava seu sobrenome a tragédia, não quando ela estava longe das evidências dela.

- Não precisa dizer mais nada - ele garantiu, preparando-se para partir - Vamos lá, pessoal. Vamos deixar Penny sozinha.

- Obrigada.

O homem apenas assentiu, esperando que os outros se movessem, mesmo que Clementine parecesse incomodada com a ideia de deixar a mais nova amiga ali sozinha e o rosto de Camilla ainda estivesse pesado de preocupação. Mesmo assim se moveram diante do pedido feito, sussurrando despedidas e garantindo que estariam por perto caso ela precisasse. Bastava gritar.

E era exatamente aquilo que ela pretendia fazer, contra seu travesseiro de volta ao seu quarto no segundo andar. Gritar até que não houvesse mais ar em seus pulmões. Gritar até que o fantasma de Peregrine descansasse em paz. Mas primeiro, precisava de um banho. Quando a porta se fechou, levando consigo as sombras de seus colegas de apartamento, Pennelope se impulsionou para fora do sofá, arrastando sua toalha branca pelos degraus de madeira. Se pensasse bem, seu plano B poderia muito bem envolver um afogamento na banheira agradável que tinha. Tudo dependeria de seu humor.

***

Se Ben ou Phil ou seu agente literário soubessem que passava a maior parte de seu tempo no Alexandria Writing Camp arrumando confusão ou jogada em seu sofá, bebendo os restos de suas garrafas de vinho e se sentindo completamente revoltada com o universo, provavelmente anulariam todos os seus contratos no mesmo instante. Mas seu cérebro parecia pesado demais para trabalhar, para juntar as palavras que precisava para finalizar seu romance. Então se mantinha ali, em sua velha camisa branca e sua calcinha de renda negra, ouvindo o álbum do X Ambassadors nos autofalantes de seu celular, querendo que o mundo inteiro explodisse. Passara o resto de sua tarde afundada na água perfumada de sua banheira, olhando a floresta pela janela com um misto de medo e admiração, até que seu corpo não aguentasse mais toda a umidade.

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