Quatro

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A sensação era de que seus ouvidos começariam a sangrar. Fosse pela intensidade do estrondo, fosse pela violenta pancada de sua cabeça contra sua mesa de trabalho na sala de estar. Não fazia ideia do horário, embora a escuridão predominasse do lado de fora. Adormecera sobre seu notebook, as palavras que digitara mais cedo ainda brilhando na tela clara. Pennelope tateou as bordas da mesa, tentando se levantar apesar da dor e da confusão que se apoderara de cada pedaço de seu corpo. Seu coração havia disparado e sido preenchido por um medo que nunca havia sentido antes, consumindo suas entranhas e fazendo com que fosse difícil se movimentar através da madeira gelada do piso.

Estava no Complexo Wanderlust há quatro dias. Durante quatro dias havia acordado e enfrentado o dia e voltado a dormir tentando se convencer de que a floresta não lhe engoliria no meio da madrugada, de que nenhuma criatura saltaria e quebraria os grandes vidros da parte traseira do chalé sedenta por seu sangue, apesar dos barulhos cada vez mais frequentes da madrugada. Estava quase começando a confiar em seus colegas de acampamento, deixando de lado a desconfiança de que algum deles poderia ser um psicopata disfarçado.

Com exceção de Carter, obviamente, e da certeza de que o queria o mais longe possível.

Mas aquele som, aquele som lhe fazia recordar de outros, de outros tempos. Fazia com que pensasse em guerras e dor e mortes. Tentou se arrastar até a porta, embora a ideia de deixar seu chalé não fosse a mais inteligente que já tivera. Embora, se parasse para considerar, ir para o acampamento já havia sido uma ideia absurdamente burra, em primeiro lugar.

Sentiu seus pés lhe traírem ao escorregar sobre o musgo acumulado nos degraus da escada, mas culpou a escuridão assustadora pelo descuido. Luzes se acendiam aos poucos ao seu redor enquanto o barulho de outras portas se abrindo preenchiam o círculo, rostos confusos e preocupados surgindo nas soleiras. Bernhard fora o primeiro a chegar ao centro desmatado do lugar, onde os suportes para uma fogueira haviam sido cuidadosamente arranjados. O homem levou o dedo indicador ao centro dos lábios, aproximando-se lentamente das estacas de madeira organizadas por tamanho.

Sobre elas, duas coisas restaram: os restos mortais da bomba que causara todo o transtorno e um bilhete enrolado ao redor de uma pequena pedra. A antecipação se espalhava enquanto o homem desenrolava o papel com seus dedos longos, Camilla e Ahmose se aproximando lentamente, ambos parecendo exaustos em seus pijamas.

O segundo estrondo fez com que todos os presentes esboçassem diferentes reações, deixando suas gargantas soltarem gritos presos ou se abaixando em busca de abrigo. Foi Glendower o primeiro a perceber que a agitação não se tratava de um segundo ataque, ou qualquer coisa que quisessem chamar a primeira explosão. Foi o garoto o primeiro a correr até o chalé de Carter, empurrando a porta destrancada com um dos ombros e adentrando o breu como se estivesse acostumado a ele. Vozes preencheram o silêncio mais uma vez, minutos antes de o homem ressurgir, apoiando-se nos ombros do mais novo, o rosto amassado e parecendo dolorido. Ele não usava sua prótese, e Pennelope acabara deduzindo o que havia acontecido. Seu coração, dessa vez, foi preenchido por um sentimento diferente. Não era pena, ou remorso. Parecia mais com nostalgia.

- Foi uma decisão idiota - Carter resmungava enquanto Glendower o ajudava a descer pelos degraus lisos - Foi impulsiva, devido ao susto. Tentei descer as escadas sozinho, sem a prótese ou as muletas. É de se imaginar que após nove anos você vá se acostumar, mas o fantasma do membro ainda te leva a cometer esse tipo de estupidez.

Nove anos. Nove anos haviam se passado. O estômago de Pennelope parecia se embrulhar com a lembrança.

Bernhard assentiu, visivelmente perdido em toda a confusão. Ainda tinha o bilhete em mãos, parado no ar como um lembrete maligno do motivo de todos estarem reunidos ali, exaustos e assustados, alguns até mesmo feridos. A pancada de Pennelope não era nada perto do corte longo que Mei Zhu trazia no braço, encharcando seu pijama branco de sangue, ou o lado esquerdo do rosto de Carter que parecia inchar a cada segundo que passava. Pigarreou, deixando que a voz rouca ressoasse pela clareira:

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