Histórias para esconder embaixo da cama

Isabelle e Charles

Algumas pessoas nasciam para ser responsáveis, manter uma postura adequada não importava o quão complicada fosse a situação.

Ela definitivamente não era o caso.

Deitada em uma cama muito maior do que precisava, Isabelle ouvia uma música qualquer no volume máximo, abraçando o travesseiro preto com "World is mine" escrito em letras douradas e tentando desesperadamente não pensar.

"SAIA DA MINHA CABEÇA!!!" Arremessou o pobre travesseiro em direção a porta, sem imaginar que ia atingir o rosto de Alice, sua amiga desde sempre.

"Ai." A visitante fez uma cara irritada. Julgando pela mochila entreaberta cheia de livros, ela tinha acabado de voltar da biblioteca da faculdade, e julgando pelo chupão recente em seu pescoço, Williams também devia ter estado lá. "O que diabos tem na sua cabeça?" Ela revirou os cabelos loiros da amiga, a procura de um inseto ou algo do tipo.

"Você me ouviu gritando?"

"Acho que até os totens da ilha de Páscoa te ouviram! Vamos, me conte logo o que houve." Alice sentou, esperando uma das histórias que classificava como três E's: Estranha, extensa e enrolada. Já era algo típico vindo de Isabelle. Filha de um homem conhecido como "gênio dos negócios", foi mimada e tratada como "princesinha da casa" graças ao fato de sua mãe ter morrido bastante cedo, e por isso, não tinha muitos problemas na vida, constantemente inventando alguns na própria cabeça.

Não que ela fosse uma esteriotípica patricinha. A loira estudava medicina em uma das melhores faculdades da cidade, e ao contrário desse tipo de garota, costumava ser bastante reservada em relação as pessoas. Porém, conseguia ser tão infantil e possessiva quanto as peruas de roupa rosa dos filmes, e esses eram os defeitos que estavam patrocinando a história três E's do dia.

"Eu não consigo parar de pensar no Charles."

"Diga uma novidade." Aquela era a mais pura verdade. Desde o começo do namoro, há 6 meses atrás, tudo que Isabelle falava tinha a ver com o ruivo. Tinham se conhecido através da própria Alice, que era amiga dele já há certo tempo, e por algum motivo, a personalidade séria e até mesmo assustadora algumas vezes de Charles Fellon se encantou pela barulhenta e animada Isabelle Greenland.

"Não, mais dessa vez é muito sério!! Você sabe o quanto aquelas garotas vagabundas arrumam desculpas para comprar coisas onde ele trabalha só pra ficar jogando charme. A não ser que elas tenham uma doença terminal, não tem motivo de irem tanto numa farmácia!" A garota falou, bufando. Desde a primeira vez que visitou o namorado, sua paranoia apitou: As únicas presenças constantes em farmácias são pessoas se pesando de graça, não mulheres maquiadas até a bunda e usando roupas curtas.

"E você sabe que ele não dá a mínima pra elas né?" Aquilo era verdade. Alice conhecia o rapaz há anos, e nunca havia visto ele demonstrar interesse por outra pessoa.

"E você sabe que eu vou lá do mesmo jeito né?"

"E você sabe que eu sei que não vou conseguir te parar então nem vou tentar né?" Com aquele jogo de palavras, a conversa estava encerrada. Alice puxou a mochila, seguindo a amiga até a porta, porém indo em uma direção oposta assim que colocaram os pés na rua. Iria pra casa estudar, enquanto a loira embarcava em mais uma de suas missões stalker.

Isabelle entrou na Farmácia Saúde com certeza, um ambiente já familiar a seus olhos: prateleiras meticulosamente arrumadas (o dono teve a sorte de contratar um atendente que gostava de organizar coisas quando não tinham clientes), uma pirâmide de caixas de pasta de dente na promoção, um estande de camisinhas com sabor. No meio de tudo um balcão branco com a pessoa que ela queria ver atrás:
Sua postura impecável, os cabelos alaranjados e bem penteados, cobertos por um chapéu coco (uma peça antiquada, porém que combinava perfeitamente com o rapaz), os olhos verde-escuros, a expressão séria que rapidamente se suavizou quando viu que a garota que havia entrado não seria a décima vadia que dispensaria naquele dia. Ela quis falar algo adorável, que acalmasse seja lá o que estava deixando carrancudo.
"Se eu comprar um desses absorventes internos, o atendente leva uns chocolates pra minha TPM?" Apesar dela ter desejado virar uma poça de gosma depois daquela piada infeliz, Charles soltou uma risada alta. Ao menos sua missão tinha sido cumprida.
"Normalmente não, mas você é uma cliente especial." Charles olhou pros lados para ter certeza de que não havia nenhum cliente (ou seu chefe) à vista, e segurou o queixo da garota, lhe dando um beijo rápido. Porém, Isabelle sempre parecia disposta a lhe "atacar", e por isso continuou o beijo, sentindo a língua do ruivo tocando a sua, as mãos dele a segurando pela nuca.
"Desculpe ter vindo, sim?" Ela o beijou na bochecha, mesmo sem realmente estar arrependida.
"Não tem problema, sim? Além do mais little lady~ não devia mentir sobre querer vir aqui pra checar se tem garotas me cantando." O ruivo deu uma piscadinha e um beijo no nariz dela.
"Desculpe se eu sou insegura, sim? Até porque nem entendo o motivo de você namorar comigo..." Isabelle ouviu Charles suspirar e temeu começar uma briga, contudo ele só afagou sua cabeça.
"Ah Isabelle, Bellinha. Porque duvida tanto desse pobre homem?"
"Acredite, não é de você que eu duvido... Só... Eu sou uma princesinha metida e mimada, incrivelmente ciumenta e possessiva, além de não ser especialmente bonita e não ter muita coisa pra apertar."
"Terminou de se xingar?" Charles questionou. "Concordo que você pode ser todas essas coisas. Qual o problema? Não vou te tratar como uma princesa porque definitivamente e com todo respeito tenho mais o que fazer, e se você exagerar nos ciúmes obviamente vou reclamar, mas toda pessoa tem defeitos e isso não seria um motivo para eu não gostar de você. Acho que o único defeito seu que realmente me incomoda é o fato de eu ter que repetir esse exato discurso praticamente toda semana." Ele deu uma risadinha. "Mas não tem problema."