Histórias para esconder embaixo da cama

Davie e Viollete

Uma casa escura, um arrombamento silencioso. Ele já tinha feito aquilo quinhentas mil vezes. Andou silenciosamente pela sala perfeitamente decorada, pegando qualquer coisa que tivesse algum valor. Abriu a porta marrom do quarto, vendo o volume embaixo do lençol de plumas que era sua vítima. Aproximou-se para poder visualizar os detalhes: Cabelos loiros, lábios grossos, pele vistosa.

"Ah Felicia, será tão divertido separar sua carne dos ossos, pedacinho por pedacinho... Ahhh, só de pensar já fico animado." Sussurrou para si mesmo, sentindo o sorriso malicioso se formar em seus lábios. Era um assassino e amava aquilo mais do que qualquer coisa no mundo.

"Ok, corta!" Um homem na meia idade gritou de fora do cenário montado no enorme palco. Usava um rabo de cavalo, um óculos de lentes grossas, e parecia estar bastante satisfeito com a cena representada pelo seu aluno-estrela: Davie Kant.

"Como foi? Eu esqueci alguma fala, professor?" O garoto em questão perguntou, pulando do palco para o chão. Com 20 anos de idade, Davie estava no auge de sua beleza: Olhos escuros e marcantes, cabelos bagunçados e tingidos de salmão, e um sorriso que no palco se transformava em qualquer coisa necessária, porém era doce e gentil naturalmente.

"Na verdade esqueceu sim, mas improvisou tão lindamente que estou pensando em substituir a fala original pela que você usou." O rapaz voltou atrapalhado para sua cadeira, tentando evitar os olhares dos colegas de classe. Alguns de inveja, uns de admiração. Apenas uma pessoa não fazia nenhum tipo de contato visual, e era justamente a que ele sempre tinha sonhado em trocar algumas palavras.

"Vamos Davie, não seja tão bobo. Como se ela fosse querer falar comigo." Pensou. Ao mesmo tempo que era o melhor aluno do curso de artes cênicas, era a pessoa mais discreta e solitária daquela turma. Havia perdido os pais bastante novo, nunca foi adotado e acabou se emancipando assim que conseguiu um emprego como ajudante de limpeza do dono de uma loja de noivas chamado Santiago. Aos poucos aprendeu com o próprio sobre a criação de roupas, se tornando um bom estilista e subindo de cargo para assistente (mesmo que ainda limpasse o local por vontade própria, afinal trabalhavam lá sozinhos) e conseguindo dinheiro suficiente para alugar seu pequeno apartamento e se manter na faculdade. Mesmo com essa sorte nos "45 do segundo tempo", acabou sendo um rapaz bastante fechado, apesar de se esforçar para agir cordialmente com todos.

"Senhoras e senhores, atenção!" O professor estava no palco sozinho, o que significava que estava prestes a fazer algum tipo de anúncio. Afinal, como ele mesmo sempre dizia "esse palco é para aqueles que ainda estão aprendendo. Uma estrela como eu só sobe em palcos de nível no mínimo Broadway." Um homem convencido, de fato, porém com uma didática eficiente o suficiente para o manter em sua posição. "Para nossa última avaliação do semestre eu pensei em uma prova prática em duplas, afinal quase nenhuma peça é um monólogo e teatro é uma obra muito mais bonita quando feita em grupo. Então, os dividi usando um sorteio e escolhi um roteiro para cada dupla. Todos os roteiros estão naquela pilha na minha mesa, então procurem o que tiver seu nome e encontrem seu parceiro. Na capa também estão as datas das apresentações, e nem preciso falar que espero o máximo de todos. É isso, até a próxima aula. E só mais uma coisa: Dessa vez teremos uma plateia, e suas notas serão baseadas no que ela achar." Ele se retirou, deixando todos ainda meio tontos com a notícia. Bem, todos com exceção de Davie, que temia muito mais ter que trabalhar com alguém que provavelmente o odiava ou o achava esquisito do que ser julgado pelo público, afinal essa era a obrigação de todo ator, certo?

Enquanto a turma se apertava e passava roteiros de mão em mão desesperadamente, o rapaz de cabelos salmão continuava sentado em sua cadeira fingindo muito bem estar empenhado em encontrar algo na mochila, quando na verdade estava aproveitando o tempo para se acalmar. Quem seria sua dupla? Será que essa pessoa misteriosa deixaria o roteiro lá em cima para ele mesmo descobrir? Será que ao menos conseguiria falar com a pessoa?