Cavalo de pau

34 4 0
                                    

Já se passava das dez e quarenta da manhã de uma segunda-feira de um verão escaldante no Tocantins. Eu estava sentado rente à parede, perto de uma das portas. Como era de costume, muitos acadêmicos ficavam no barzinho da esquina, bem próximo à entrada principal do campus I da Faculdade Unirg, esperando as conduções que os levariam de volta às suas cidades.

Por incrível que possa parecer, nessa hora não havia mais ninguém ali além de dona Maria, a proprietária do barzinho, com o queixo encostado à mão direita, apoiando o cotovelo junto ao balcão e com os dedos da outra mão executando um estranho e repetitivo batido "POM POM POM". Ela parecia tirar algumas sonecas. E de fato tirava.

"Será que meu relógio está certo?" "Seu Antônio não poderia ter saído e me deixado?" Continuei a me questionar. Quase não havia movimento nos arredores da faculdade. Estranhei. Levantei-me e dirigi-me até a porta do barzinho. "A senhora sabe me dizer se a Kombi do Cariri passou?". As minhas palavras assustaram a "tia Maria", como era chamada carinhosamente por todos. Com um pulo despertou. Segurei-me para não rir... "Não, não, não!!!". Dito isso, ela se virou e pôs-se a lavar o rosto na pia ao lado. Voltei para o mesmo lugar onde estava sentado há tempos, agora, tia Maria me fazia companhia. Eu já estava muito preocupado. Afinal, ninguém saía da faculdade.

De repente, eis que surge na esquina um sujeito esdrúxulo montado em um cavalo. Um cavalo? Que coisa, hein!? O melhor de tudo se resumia na criatividade do rapaz. Acreditem... O cara era diferente! Original! Estava montado em um cavalo-de-pau!" Tia Maria ficou pasma, hesitou em dar uma gargalhada. Apenas olhou para mim durante alguns segundos, porém parecia saber o que se passava em minha cabeça. Ficamos em sintonia. Não aguentamos e começamos a rir. "Que hilário!" Dizia ela.

"Cavaloooo!!! Cavalooo!!!" O camarada repetia isso até sumir na outra esquina. O que há de errado com isso? Alguns podem se perguntar. Outros vão achar que estou sendo radical ao descrever essa situação, na qual um sujeito passa montado em um cavalo na frente de um barzinho. Não... Não estou enganado, tampouco sendo radical. Eu sei o que vi. E era muito estranho. O rapaz, na faixa de uns vinte e poucos anos estava montado em um cavalo de pau. Isso mesmo, em um cavalo de pau. Era difícil não rir. Sem contar que estava vestido a caráter. E a bota com espora e tudo mais. Simplesmente fantástica sua aparência. Perguntei-me: "Como ele aguenta esse calor?" Usava uma camisa xadrez de mangas compridas e um cinto com uma fivela grande arredondada.

A criatividade do sujeito não se resumia apenas a isto, sua sela e arreio foram feitos a partir de espumas de colchão enroladas na madeira, prendendo-as com borracha. Arranjou uma cabeça de cavalo, daquelas de plástico. Até cabresto tinha. Parecia não se importar muito com o que as pessoas iam dizer.

Não sei se era motivo para admiração ou estarrecimento. A verdade é que achei o máximo a criatividade do sujeito. Tia Maria, por sua vez, dizia achar uma absurdo aquilo. Não demorou muito e os outros acadêmicos começaram a chegar. A nossa Kombi também. Contei o que havia presenciado e todos se divertiram. Fizeram até piadinhas.

Os próximos diasforam marcados por uma tremenda expectativa. Passei a ficar sentado no mesmolugar, na vã esperança de poder ver se repetir aquela cena cômica. Meus amigosqueriam vê-lo também. Inúteis tentativas. O errante cavaleiro, montado em seualazão de pau não quis mais aparecer.

Crônicas e Contos UniversitáriosOnde histórias criam vida. Descubra agora