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20 de Setembro de 1955

Querido Diário,
   Quero primeiro referir o quanto estou impressionada comigo mesma. É a terceira vez consecutiva que escrevo em ti sobre o que aconteceu no meu dia-a-dia. Surpreende-me o facto de estar a conseguir fazer esta rotina de escrever antes de me ir deitar resultar. Nunca consigo fazer coisas continuamente, também não é fácil quando se esquece metade das coisas que acontecem.
   Hoje foi diferente. Quando acordei, ainda sem ter lido o que tinha escrito ontem, lembrei-me o que tinha acontecido na aula de Filosofia. Talvez tenha sido porque ontem realmente, quando cheguei a casa, li tudo o que estava escrito no meu caderno. Por um lado fiquei mais confiante para conseguir enfrentar o dia de hoje só por me ter lembrado disso tudo, mas por outro fiquei preocupada. Os meus problemas de falta de memória nunca fizeram com que eu me esquecesse da matéria das disciplinas que estudo na escola. Nunca me tinha acontecido antes.
   Fiquei desiludida quando me tentava lembrar do nome de um rapaz que tinha quase a certeza que o tinha conhecido mesmo ontem. Relembrei-me depois quando te li antes de ir tomar um banho.
   Decidi ir a pé para casa depois das aulas acabarem. Antes de o fazer entrei numa cabine telefónica e liguei para a recepção do hotel onde a minha mãe trabalha, só para a avisar. Ela ficou receosa, mas confiou em mim. Não seria assim tão difícil lembrar me do caminho para casa, já o tinha feito de manhã, a diferença é que fui de autocarro.
   Andei cerca de vinte minutos, mas valeu a pena. Demonstrei a mim mesma que talvez consiga controlar isto melhor do que penso. Ou talvez não, mas o que importa é que me estava a sentir feliz, pela primeira vez em meses.
   Ainda fiquei mais feliz quando entrei no prédio e depois no nosso apartamento, e no meio da confusão em que a nossa sala-de-estar se encontrava, havia um embrulho vermelho com o meu nome escrito num pequeno cartão branco. Queria tentar adivinhar o que era abanando antes de o abrir, mas só consegui perceber que era algo pesado porque não se mexeu muito. Eu dei pulos de alegria quando dei de caras com um rádio branco, muito brilhante e novinho em folha.
   Liguei-o logo à corrente, e assim ficou durante horas a fazer soar as músicas que tocavam pela minha casa toda. Senti saudades de ouvir música. Fiquei sem poder ouvir o que queria desde o Verão quando os meus pais se separaram. O meu pai decidiu ficar com o leitor de vinil, mesmo depois de ter insistido para ele me deixar ficar com ele. Ele ficou com as melhores coisas todas, incluindo o rádio vermelho que a minha mãe ligava sempre na cozinha enquanto cozinhava.
   Sempre me prometeram dar o rádio e assim poderia ouvir música só no meu quarto, mas isto se comprassem um novo, o que não aconteceu.
   A minha mãe acabou de chegar agora.

Até amanhã,
Nicole.

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