I - Dois meses em branco

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Há dois anos

Abro os olhos e não reconheço o ambiente a minha volta. Um quarto envolvido na penumbra de um fim de noite, ou começo de manhã, não sei ao certo. Um lugar com cheiro agradável de colônia masculina no ar, logo percebo que o recinto é inteiramente masculino, com mobília escura, alguns livros em uma estante, cortinas azul marinho e um par de sapatos no chão, próximo a uma poltrona.

Tento lembrar de alguma coisa, mas na minha cabeça vejo apenas flashs da noite que passou, então rolo para o outro lado da cama e dou de cara com imensos olhos azuis me vigiando. Fico ali parada, sem saber se dou bom dia ou se pergunto seu nome enquanto ele continua me encarando, sério, porém incrivelmente sexy. Não posso deixar de me sentir orgulhosa, esse com certeza é um dos caras mais charmosos que passei a noite nos últimos meses.
O orgulho por estar ali, nua na cama desse cara maravilhoso logo se transforma em confusão, e depois em um misto de sentimentos que mais pareciam facas entrando em meu estômago. Sento na cama rapidamente, levando as mãos à cabeça para tentar segurar tudo no lugar, apesar da tontura e da dor.
O "senhor olhos azuis" continua me olhando, e com cara de preocupado finalmente fala alguma coisa.

- Beck, você está bem?

- É Victoria e, não, não estou bem! - Respondo com raiva e um inexplicável sono ao mesmo tempo.

Ele me olha confuso.

- Bem... Não foi bem esse o nome pelo qual te chamei durante os últimos dois meses.

Foi então que tudo voltou a memória, como se uma rajada de vento me arrancasse dali e me jogasse dois meses antes, quando jurei que nunca mais chegaria até o fim. Jurei que nunca chegaria nem perto do fim de mais um dos meus joguinhos.

- Dois meses? O quê? - balanço a cabeça olhando para o chão, a testa franzida - Do que você está falando?

Ele levanta da cama e dá um passo em minha direção, mas logo recua ao perceber que dou três passos para trás e entro em posição de defesa.

- Estou ferrada! - foi a única frase que consegui dizer depois desse choque.

Começo a juntar minhas roupas que estão espalhadas pelo quarto enquanto o "senhor olhos azuis" me enche de perguntas que eu nem mesmo ouço. Saio porta a fora me vestindo pelo corredor. Não sei onde estão minhas chaves, não sei nem mesmo se cheguei até aqui com meu carro. Passando pela mesinha da sala noto que lá estão elas, pego e saio quase correndo pelo corredor estreito do prédio enquanto um homem perfeitamente lindo e semi nu grita por mim da porta.

- Rebecca! Volta aqui! A gente precisa conversar, você tem que me explicar o que está havendo!

Ele continuou me chamando, porém aquela não era eu. Aquela era ela. A mulher obcecada por romances proibidos e encontros pervertidos que assombrava meus dias. O lado negro de Victoria Fisher voltou a se manifestar, voltou a atacar sem dó nem piedade.

Ela quer acabar com os contos de fadas alheios, mas ao mesmo tempo está arruinando o meu próprio conto de amor, e isso tem que acabar.

Sigo pela rodovia em alta velocidade, sem noção da hora, só preocupada em chegar em casa sem deixar pistas do que aconteceu.

Tento lembrar de detalhes dos últimos dois meses e nada vem a minha cabeça, apenas alguns fragmentos de momentos estranhos e perdidos. Parece que aconteceu de novo: período em branco. Tudo apagado rapidamente com uma borracha escolar, aquelas que apagam o que foi escrito, mas ainda deixam alguns resíduos na página do caderno.
Lembro de mim no trabalho, em casa, no supermercado..., mas nada concreto, nada também sobre o cara que acordou do meu lado está manhã. Seu rosto é tão familiar, mas ele não é compatível com as lembranças que tenho, não as minhas. Começo a achar que ela tomou conta da minha vida a maior parte do tempo durante estes dois meses em branco. Me pergunto como fui tão fraca mais uma vez, eu estava conseguindo controlar os momentos de euforia dela, estava indo bem nessa tarefa sem fim de tomar as rédeas da minha própria mente. Estava me saindo tão bem que até pude receber alta das minhas sessões de terapia com a doutora Trumman.

Ela Esteve Aqui - Trilogia Faces Obscuras IOnde histórias criam vida. Descubra agora