Ela Esteve Aqui - Trilogia Faces Obscuras I

VI - Por outro ângulo

Há 10 anos

Estou há cerca de uma hora sentado nesse café e simplesmente não consigo ir embora, o motivo que me impede de levantar dessa cadeira está sentado logo em frente, próximo a janela: uma moça incrivelmente radiante com o sorriso mais doce que já vi em minha vida. Ela está concentrada em um livro de capa rosada aproveitando a claridade para correr seus olhos com rapidez pelas páginas, tudo nela emana delicadeza: seu rosto de traços angelicais, seus olhos brilhantes, os cabelos negros presos despojadamente em algum tipo de penteado mal feito.

Já estou na dúvida se vou ou não falar com ela há muito tempo, outros caras passam ao lado da mesa e não deixam de admirá-la, assim como eu. Caso eu não tenha coragem o bastante para ir até lá com certeza alguém o fará, então decido que devo ir cumprimentá-la e tentar trocar algumas palavras.

Antes que eu consiga chegar até a mesa dela, ela levanta os olhos do livro, me encara e então abre um sorriso.

_ Oi. _ digo simplesmente parecendo um tonto.

_ Achei que você não fosse levantar daquela cadeira nunca mais. _ ela diz sorrindo com certa malícia no olhar.

Ela percebeu que eu a estava observando, e pelo visto percebeu também a minha dúvida em ir ou não falar com ela. Fico constrangido, será que estou parecendo um imbecil? Ela é mais nova que eu, isso é notável, porém tem muito mais atitude e auto confiança do que a pouca idade permitiria a outras mulheres.

_ Sente-se aí, vamos tomar um café. Você gosta de ler? _ ela toma o controle da situação e quando me dou conta estou fazendo exatamente o que ela pediu.

_ Sim. _ minhas frases curtas me deixam cada vez mais envergonhado.

_ Que ótimo! Teremos muito assunto então. _ ela sorri novamente daquela forma encantadora.

_ Sim. _ estou virando um ser monossilábico diante dessa garota, não consigo entender o que está acontecendo comigo, preciso me controlar, sou um homem experiente, já flertei com diversas garotas antes e jamais passei por isso.

_ Por favor, mais um expresso para mim, e você...? _ ela chama a atenção do garçom com a delicada mão de unhas cor de rosa.

_ Capuccinno. _ falo para o rapaz que me olha esperando a resposta.

_ Muito bem, quero saber tudo sobre você: o que você faz, de onde é, e primeiro: qual é o seu nome? _ ela fala e sorri.

Eu fico olhando para ela paralisado. Deus, como pode ser tão perfeita, doce e interessante? Nunca conheci alguém assim e não posso deixar que ela apenas passe pela minha vida, ela tem que ficar.

_ Lucas. _ respondo e, mais uma vez, ela sorri.

****

Dois anos depois

_ Lucas, você está pronto? Não posso chegar atrasada em meu primeiro dia. _ A ouço chamar da porta da frente.

Eu deveria ter ido buscá-la em casa, mas a ansiedade não a deixou esperar e agora ela está na porta da frente da casa dos meus pais gritando feito uma louca há pelo menos trinta minutos.

_ Você não vai se atrasar, se sairmos agora, como você quer, vamos ser os responsáveis por abrir os portões da universidade. _ Eu não posso deixar de rir de sua cara de irritada.

_ Lucas, precisamos ir, se eu esperar mais um segundo entrarei em colapso!

Tem dois anos que nos conhecemos e aquela doçura que me encantou continua presente em cada célula do corpo dela. Somos grandes amigos, apesar de às vezes achar que, assim como eu, ela também sente algo além da amizade. Hoje ela está indo para a faculdade e eu fiquei encarregado de levá-la até lá, serão cerca de 500 quilômetros dentro do carro, só eu e ela, e talvez essa seja a oportunidade perfeita para tomar a iniciativa que até agora não fui capaz de tomar, afinal de contas ela está indo para uma cidade maior com milhares de pessoas diferentes, colegas universitários sarados, interessantes e jovens, assim como ela. Não que eu seja muito mais velho, sou formado tem um ano e pretendo terminar meu mestrado em breve porém, sei que a faculdade abre um mundo novo de possibilidades e não posso deixar que ela escape por entre meus dedos.