III - Quem é quem?

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_ O que está fazendo comigo?! O quê?! O que está acontecendo?! Tire as mãos de mim!!! _ Eu grito desesperada enquanto um homem que não consigo identificar me arrasta pela perna esquerda por um longo corredor escuro, o lugar me parece familiar, porém não sei por quê.
Ouço uma respiração forte, ofegante, sinto mãos pesadas sobre o meu corpo me puxando, rasgando minha roupa e minha pele, me agredindo. Estou muito assustada, sinto que meu coração está batendo tão rápido que chega a doer.

De repente uma porta se abre e o homem me joga para dentro de uma micro sala escura, úmida e com um cheiro forte de mofo e fumaça. Antes que eu consiga me levantar do chão ele bate a pesada porta, posso ouvir o som das diversas fechaduras se travando.

Começo a chorar, gritar e socar a porta em vão. Ninguém vai me ouvir, as paredes são forradas de espuma para evitar que o som saia, então exausta, suja e confusa deito no chão e continuo chorando.
Um estrondo forte me faz saltar longe da porta, levo um susto terrível e então... acordo.
"Foi só um sonho. Foi só um sonho."
Repito para mim mesma enquanto sento na cama completamente suada e nervosa.
A essa altura Lucas já saiu de casa, dou um suspiro de alívio por isso. Levanto da cama rápido e corro em direção ao meu armário, no fundo da porta central, bem atrás de meus casacos, abro o fundo falso e tiro de lá o diário marrom. Começo a escrever, ininterruptamente, sobre o sonho que tive.
Não é a primeira vez que sou brutalmente acordada por essas imagens perturbadoras, já tem algum tempo que venho sonhando com isso, mas nunca o pesadelo foi além da  cena do corredor, desta vez tudo foi mais detalhado.
Não sei bem se isso se trata de uma lembrança, mas o modo como tudo acontece é tão real que tenho quase certeza de que aconteceu comigo.
Termino minhas anotações e fico insegura em deixar o diário em casa, mesmo que bem escondido, não posso correr o risco de Lucas encontrá-lo e me questionar sobre ele. Vou levar para o hospital, deixarei em meu armário, será muito mais seguro.

Abro minha bolsa para guardar o diário e de lá de dentro saltam os envelopes dos exames que fiz com o neurologista. Já tem duas semanas que fiz minhas consultas e toda a bateria de ressonâncias e exames complexos que poderiam existir para descobrir de onde vem meu problema de memória e apagões misteriosos. O que o Doutor Finning descobriu? Nada.

Minha saúde é ótima, não existe nenhuma lesão em meu cérebro que possa dizer que bati a cabeça e fiquei assim, ou algum tumor que esteja devorando minhas memórias e o interior da minha cabeça fazendo com que eu delire e acredite ser tomada por outra personalidade e totalmente controlada por ela. Absolutamente nada de anormal. E por que não os levo de uma vez para o Doutor Keller? Justamente por isso! Estou ainda mais apavorada. Esperava descobrir algo, encontrar finalmente a explicação para poder falar tudo para Lucas e acabar de vez com essa tortura de não saber o que acontece dentro de mim.
Depois dos resultados dos exames fiquei com medo de onde as consultas com o Doutor Keller vão me levar, posso recuperar minha memória, ou não. Posso descobrir coisas maravilhosas que deixei se apagarem, ou não. Posso ficar muito contente por resolver minha situação, ou não. Esse dilema está me matando.

Já tem quase um mês que visitei o Doutor Keller pela última vez, o diário que ele me deu naquele dia está cheio de anotações aleatórias e sem importância, coisas que na hora eu achava que seriam indispensáveis para me ajudar mas que depois me pareceram bobas. A única anotação relevante é essa do pesadelo, e é tão relevante por que mexe comigo de uma forma assustadora.

Permaneço sentada na cama por mais alguns minutos ponderando sobre os acontecimentos e observando o diário, que parece também me observar, preciso resolver logo essa situação, voltar ás consultas com o Doutor Keller e definir de uma vez por todas quem é quem em minha vida.

Levanto, pego o telefone e ligo para o consultório para agendar minha consulta de retorno, infelizmente Sophia me diz que o doutor está em uma conferência fora da cidade e voltará só daqui alguns dias, adiando ainda mais nosso novo encontro, a consulta fica então para quase duas semanas depois de hoje. Vou aproveitar esse tempo para escrever o máximo de coisas possíveis no diário, tudo que vier à tona em minhas lembranças deve estar devidamente anotado, só assim terei material suficiente para que o doutor possa me ajudar nessa busca.

Ela Esteve Aqui - Trilogia Faces Obscuras IOnde histórias criam vida. Descubra agora