Prólogo

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Terça-feira de Carnaval. Anos atrás.

A criança se diverte consigo mesma à beira da estrada, seus pensamentos felizes em uma aventura de pirata. Sua mãe a arrumou para a festa na escola e a deixou ir, calças vermelhas, camiseta listrada, tapa olho e bandana. Em uma cidade pequena como essa, nada pode dar errado no caminho para a escola.

Na outra ponta da estradinha de barro, um grupo de adolescentes de outra cidade faz sua algazarra. Todos estão vestidos de clóvis, mascarados e multicoloridos, bolas de couro ou de plástico zunindo até o chão, explodindo em um som que ecoa entre as árvores da pequena cidade.

A criança vê aqueles palhaços em festa e abre ainda mais o sorriso. Apressa o passo para se aproximar mais rápido das alegres figuras. Já bem perto, cumprimenta eles.

O grupo de seis clóvis para onde está, lado a lado, de frente para a criança, em uma fileira lateral, formando um paredão que o impede de seguir. A criança volta a cumprimentá-los, ainda eufórica. Eles se entreolham sem nada dizer. Voltam a olhar a criança, que já não sabe mais o que pensar sobre aquela trupe colorida.

Os adolescentes fantasiados começam então a saltitar em volta da criança, que ganha renovada confiança e volta a rir. Eles gritam, pulam, fazem sua bagunça. A criança ameaça acompanhá-los na brincadeira até que a primeira bola explode ao seu lado, assustando-a.

Os demais clóvis seguem o primeiro, o líder, e batem as bolas aos pés da criança que, já apavorada, tenta fugir. O líder bate com sua bola de couro nas costas da criança. Ela tropeça e cai, afundando o rosto no chão de terra.

A criança senta no chão, seu rosto empoeirado e sangrando, as lágrimas fazendo um caminho de lama nas bochechas. Os clóvis continuam sua zoeira e seu bater de bolas no entorno da criança, que se levanta e parte para cima de um deles. Ambos se engalfinham no chão, a criança mantendo o clóvis no chão mais pela surpresa do ataque que pela força.

O líder chuta a criança na altura das costelas, arremessando seu pequeno corpo uns dois metros. A criança, sem fôlego mesmo para chorar, leva a mão ao tronco, onde foi atingida. O líder vai até ela e chuta mais uma vez. E de novo. E de novo. E continua.

Os outros clóvis seguem seu líder, chutando e batendo com as bolas de plástico e couro na criança, à exceção do que foi derrubado e ainda está sentado no chão. Seguem batendo, mesmo com a criança desacordada e indefesa.

O líder faz sinal para que parem. Os clóvis circundam a criança desacordada, muito ferida, torta no chão após tantas pancadas. O que estava no chão se levanta e, tirando a máscara, diz:

- Estão malucos? O que vocês fizeram?

O líder empurra a criança com o pé, para um pequeno barranco à beira da estrada, que rola até uma valeta. O lider levanta um pouco a máscara.

- Cala a boca! Vamos embora. Vamos deixar esse merdinha aí. E é melhor todo mundo ficar quietinho sobre o assunto. Mato o primeiro que der com a língua nos dentes!

O grupo de clóvis segue calado pela estrada.

A criança ferida é deixada na vala, para morrer sozinha.

***

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