João, Maria e os Outros

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Ninguém, nem naquele reino nem em nenhum outro, pobre ou rico, encarnado ou

desencarnado, jamais escapará aos desígnios que ingenuamente engolfamos em ilusões

didáticas como "karma", "providência" ou "justiça". Esses mistérios, que quanto mais tarde

compreender-vos, melhor será, cedo ou tarde se revelarão a todo homem e mulher, trazendo

conforto a poucos e horror para a maioria, num tempo em que o mundo dos sonhos estará

fechado para sempre.

De um lado, estava uma pobre família, formada por um pai, seus filhos, João e Maria, frutos

de seu casamento anterior, e a madrasta das crianças, sua odiosa esposa. Do outro, estava o

fantasma da fome absoluta. E tudo que se punha entre eles era um saco de pão velho e outro de

farinha.

"Nossa comida está quase no fim. Se ao menos não precisássemos alimentar João e

Maria!", lamentou o pai, numa noite.

A mulher, que merecia o marido que tinha, disse erguendo as sobrancelhas:

"Pois eu já sei como vamos resolver isso. Amanhã, ao romper da aurora, tu levarás João e

Maria até a parte mais sombria da floresta. Farás uma fogueira e darás metade deste pão aos

dois. Depois, dirás que vais tratar de seus afazeres e os deixará lá!"

"Estás louca?", disse o marido. "E se alguém descobrir... e se o lobo aparecer?"

"Até parece que tu te importas com os pirralhos!", ela respondeu, histérica. "Nunca deste

nem banho nem atenção a eles!"

"Mas, ainda assim, são meus filhos!", respondeu o homem, sem negar as acusações.

A megera bateu na mesa de madeira maciça, lembrança de tempos mais abastados. "Se não

fizeres isso, serão quatro mortos em vez de dois! Trate de pegar teu machado e uma lixa e faça

desta mesa nossos caixões!"

O barulho da discussão fez com que João e Maria, que dormiam no cômodo acima,

acordassem de sobressalto. Os pequenos ouviram, com detalhes, os insistentes pedidos da

madrasta. E, como toda mulher quando quer alguma coisa, ela não deu um minuto de sossego

até que o marido cedesse a seus suplícios:

"Está bem, está bem, tu venceste! Amanhã, eu levarei as crianças até a floresta, as

abandonarei e, então, seremos só nós dois! Combinado?"

"Combinado!", concordou a megera, sem disfarçar certa satisfação.

Maria começou a chorar, inconsolável, agarrada a seu único brinquedo, uma boneca

improvisada com um saco de pano:

"Vamos morrer, João!"

Mesmo perante as adversidades que a vida lhe impunha, João sempre fora um menino

inventivo e curioso. A asma fazia seu peito chiar, e aparecia com frequência na forma de tosse

entre as palavras.

"Não vamos... Cof! Não vamos, Maria! Cof! Fique... Cof! sossegada!"

Depois que os dois adultos foram dormir, João se levantou, tomando cuidado para que seus

Branca dos mortos e os 7 zumbisOnde histórias criam vida. Descubra agora