Gabo e eu nos conhecemos há muitos anos, morávamos na mesma rua e éramos bem diferentes das outras crianças. Gabo curtia monstros, aqueles quanto mais feios melhor. Usava meias esquisitas até o joelho, cabelo partido de lado e gravata borboleta nos dias especiais como seu aniversário ou quando havia recebido uma notícia boa o suficiente ao ponto de se comemorar. Eu já preferia a natureza; flores, bichos e fitas coloridas no cabelo. Meus cabelos curtinhos me davam a liberdade de ir e fazer qualquer coisa, estavam sempre armados.
Sempre fomos muito tímidos com o mundo, mas desde o primeiro momento que olhei nos olhos dele, sem dúvidas, eu me senti em casa.
Gabo havia se mudado recentemente para Moriá e já tínhamos nos tornado muito amigos, éramos vizinhos e tínhamos nos atraído bastante, mas jamais teríamos nos tornado tão "nós" se não fosse a simpatia de Dona Marta que logo se apresentou e familiarizou-se com meus pais, bom, meu pai e a sua namorada. Meu pai ficou só e teve que cuidar de mim depois que minha mãe nos abandonou quando eu era bebê e foi em busca da sua vida na carreira de modelo. Mas ele nunca foi muito bom com mulheres, sempre muito bobo, nunca ultrapassou de um ano. Já tive tantas mães que eu já nem me lembrava mais do rosto da minha mãe verdadeira.
Brincar na calçada não era mais o suficiente. Eu e Gabo não conseguíamos viver mais longe um do outro e isso estava nítido. Meu pai sugeriu que Gabo estudasse na minha escola, e sem muito esforço logo estudamos juntos.
O mundo lá fora já não existia mais. Nossas aventuras, a maneira que nos entendíamos, era tudo muito nosso.
Era tradição, ir à escola juntos, comer geléia de uva, brincar de super heróis, caçar bichos no parquinho da escola, fazer as tarefas da escola juntos, assistir Família Dinossauro, e passar todo o resto da tarde cantando ou desenhando. Era nosso dia, todos os dias.Acho que Gabo nunca teve um amigo tão próximo quanto eu. Pelo menos ele nunca me disse isso. Acho que ele me achava uma chata, confesso, eu sempre odiei Família Dinossauro.
Mas o tempo foi passando e fomos ficando cada dia mais jovens, sim, cada dia mais jovens . Eu de alguma forma fui vendo o mundo mais diferente, esta fase foi sem dúvidas a mais complicada da minha vida, e a mais marcante também .
Tinha mais ou menos 14 anos quando me apaixonei pela primeira vez, e sim, pelo Gabo. Acho que todo mundo já passou por isso, se apaixonar pelo garotinho que é seu melhor amigo ou que pelo menos você considera isso dele.Mas tinha coisas mais importantes para pensar do que isso. Naquela época minha mãe apareceu depois de muitos anos e aquilo me chocou muito. Não entendia o motivo dela ter me deixado de lado e ter dividido nossa família em duas, papai e eu éramos muito felizes juntos e talvez com ela nós teríamos nos sentido mais completos. Quando perguntava por ela, papai só dizia que o amor tinha acabado, o amor dela óbvio, os olhos dele brilhavam ao falar dela, mas não faz muito tempo que realmente consegui entender isso.
Eu sempre senti falta da minha mãe, mas meu pai sempre me ensinou que todos nós devemos ir em busca da nossa felicidade, talvez para compreender minha mãe e não guardar rancor caso algum dia ela voltasse para sempre. Ele tinha esperança.
Ela se chamava Ana, tinha olhos pequenos como o seu nome. Era linda como uma pintura antiga, voz doce e confortante, aquela cuja gostaria de ouvir todos os dias ao acordar, mas isso jamais seria possível. Ela estava apenas de passagem. Me levou algumas bolsas e maquiagens, me abraçou forte, sentou ao meu lado e tentou se sentir a mais íntima possível apesar de nunca ter valorizado o espaço que tivera em nossa casa.
- Você é linda!. Se parece muito comigo mas tem o sorriso do seu pai. - Me observava em cada detalhe enquanto falava e eu o admirava como se fosse um anjo querendo conhecer tudo sobre ela.
-Você gosta de bolsas? maquiagens?moda?. Eu imaginei que já tivesse mais ou menos a idade que você tem, e acertei. É uma mocinha. - Ela não sabia a minha idade, qual a mãe que não sabe a idade da própria filha? sei que me teve muito nova, mas ela poderia ter anotado numa agenda meu aniversário o qual ela nunca me ligou nem que fosse para dizer : "Eu lembrei! Eu sei que você existe!"
- Você já pensou em ser modelo?." - Pela primeira vez eu odiei uma pessoa na qual nem conhecia em questão de segundos.
- Eu não preciso abandonar as pessoas que me amam para me sentir bonita. - Não pensei duas vezes e corri pro quarto e só decidi sair quando ela já tivesse ido embora.
Ainda me lembro como se fosse hoje que pela brecha da porta vi e ouvi uma conversa de meu pai com ela no corredor, ele, apesar de bobo pela sua beleza parecia triste, talvez contara a ela o quanto precisávamos dela conosco. Mas acho que ela não se importou muito e foi embora. Nunca mais voltou.
Durante aquele momento pensei na sorte que tive por Ana, minha mãe, não perguntar se já havia me apaixonado ou se já vivia algum romance com um cara bonito e de uma família bem sucedida como parecia ser o pefil dela. Acho que choraria naquele momento. Eu adoraria dizer à minha mãe que estava apaixonada pelo cara mais incrível do mundo.
Passei por momentos difíceis e ele sempre esteve ao meu lado. As fotografias, os passeios sem rumo, o mundo desaparecia quando ele aparecia. E os monstros foram ficando mais coloridos como suas meias, Família Dinossauro era o melhor seriado do mundo e ele tinha o sorriso mais lindo que já conheci . Queria dizer à minha mãe que foi naquela sexta-feira pela manhã depois da escola a caminho de casa que ele me fez sorrir e junto meu coração sorriu também .
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sem Você, Lorrane.
RomanceDe uma grande amizade na infância nasceu o amor entre Lorrane e Gabo. Mas o medo de contar o que sente acabou mudando completamente a vida dos dois. Sem você ( Versão Lorrane) conta toda a história dos dois de acordo com Lorrane , narrando como foi...