Dramas da leitura

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Era uma vez um menino que odiava ler.... Não, essa deve ser outra estória, deixa eu procurar aqui.... Já encontrei. Era uma vez, digo, como em toda estória infantil, temos um homem, o tal famoso personagem principal, e como isto aqui é um conto, só ele importa, os outros são apenas condimentos, temperos para dar mais sabor à sua estória. Só que essa não é uma estória infantil. E muito menos adolescente. Já é uma estória crescida, madura, com experiência, e longe de ser virgem, praticamente essa estória é uma puta, tipo a puta da vida que nós temos, né?

E como toda estória puta, esse protagonista é fodido, bem realista, feio, já com dois dentes cariados, mas ele não tem dinheiro para ir ao dentista, então foda-se, ele que fique sem os dentes. Com trinta anos assentados no seu corpo, mais parecia ter 50, de tão envelhecido que aparentava ser. Como nos filmes a gente via muitos atores com mais de 4 décadas, que ainda possuíam o vigor da juventude, o nosso protagonista pensava se não teria um trabalho para ele como um ator, representando personagens mais velhos, afinal o contrário tinha funcionado para outras pessoas. Mas mesmo para os padrões entre velhos, o nosso protagonista era feio. Os anos de visitas ao bar fizeram os cabelos mais lisos, mas lhe tiraram a beleza e a juventude. E a única sorte dele era que os cornos não eram visíveis a olhos desconhecidos, senão ele se destacava bastante. Afinal, 30 anos, mas com aquela aparência e desempregado, seria difícil não ter um corno.

E a mulher do nosso protagonista, uma personagem secundária, deveria ser uma coadjuvante, mas ela não ajuda, e até prejudica a vida do protagonista, mas ela não tem tanta importância a ponto de ser uma vilã, então só fica como sendo secundária mesmo. Mas graças a ela, posso colocar uns 5 ou 6 figurantes na estória, os amantes dela. A mulher tinha quase a mesma idade, mas nada tinha de semelhante a ele. Já nos seus 30 anos, ainda conservava a beleza dos 20, mas com a maturidade dos 30. Outros figurantes comentavam que o segredo para sua juventude longa se escondia nas fodas que ela recebia dos seus 5 ou 6 amantes, 5 ou 6 vezes por semana. Ela até se parecia com a vida. As duas eram putas.

Existirá um vilão/vilã nessa estória? Só se for o próprio protagonista. Ele se matou quando começou a beber, e perdeu até sua dignidade por isso. Mas num conto não existe muito tempo para os vilões, a gente só quer saber o que acontece com o protagonista. Nós somos "anti-antagonistas", não somos leitores de romances longos e chatos que se revolvem às mil maravilhas de uma paixão ardente, sem saber que a vida é uma puta, que só dá para você, se você der algo valioso em troca, e se não der, você vai para o caralho. E vai mesmo. O nosso protagonista é a prova disso.

E qual seria o nome dele? Deixa cá ver, um cara pobre, feio, desempregado e corno. Dar um nome simples tipo João, era engraçado, mas João é muito usado. Talvez um nome sofisticado, uma antítese da vida dele, como Sócrates, ou Napoleão, seria curioso e um tanto estranho. Um Napoleão seria com certeza levado para o hospício, e um Sócrates.... Bem, um filósofo hoje em dia com certeza estaria na mesma situação do nosso protagonista, mas ele não é filósofo, e muito menos tem uma formação superior. Um nome estrangeiro tipo Michael ou Washington seria pouco confortável, pois isso iria sugerir que ele fosse americano. E ele no mínimo, desejava isso. Ah, foda-se, o cara não precisa ter um nome tão importante, um José Manuel seria o suficiente. Criando uma estória fictícia por detrás deste nome, podíamos dizer que ele vinha de um outro figurante, o falecido pai de Zé Mané e de seu avô materno, que se chamavam respetivamente José e Manuel.

Pronto, já temos o Zé Mané, com sua estória do passado assentada, e a partir daqui podemos começar finalmente o conto... Espera! Então tudo o que falei antes ainda não era o conto? Puta merda, fiz uma cagada. O que vocês podem fazer é se quiserem ouvir o resto, prestem atenção a partir daqui, e se quiserem saber como era a vida de Zé Mané antes, então foda-se, não se esqueçam do eu tinha falado antes. Se quiserem um resumo, é isto que era a vida de Zé Mané antes: uma merda.  O que vai acontecer nesse conto? Nada diferente do que estava antes, ou seja, ainda uma merda. Ele provavelmente vai descobrir os cornos que tinha estado a levar durantes anos, vai mandar a mulher fora de casa, ficar solteiro... essas coisas. Para quê mais detalhes, não é como se os detalhes, mudassem o rumo da história, pois não? Essa é a ideia básica desta estória. Zé Mané, o protagonista/antagonista deste conto, descobre um dos cornos que levava de sua mulher, quase que religiosamente a mais de 2 anos, e tira ela para fora de casa. Só para encher o que a gente faz? Coloca algum sal e alguma pimenta, descrevendo todos os detalhes. A mágica do conto que torna o ato de abrir a porta num parágrafo inteiro, tipo esse:

" Já passam das três horas da madrugada. Zé sobe lentamente os degraus, tropeçando em alguns deles, quase caindo escada abaixo, mas seu equilíbrio hoje está melhor do que nos outros dias. Não é a primeira, nem a segunda vez que ele se encontra podre de bêbado, e nem será a última. Chegando na porta de sua casa, no segundo andar, ele tira a chave do bolso, ao qual ele tenta colocar no buraco da fechadura, no entanto, sempre errando, e sempre tentando de novo. Ele ouve o que parece ser um barulho estranho, mas pensa que devem ser os vizinhos do andar de cima, no seu ato noturno de união. Quando ele finalmente mete a chave na fechadura, ele repara que apanhou a chave errada. Outra coisa que ele faz sempre quando está bêbado. "

É incrível as voltas que são dadas em torno do nosso protagonista e do meio que o rodeia. Só de reparar que esses detalhes são pouco significantes para a história, e provavelmente seriam ignorados num romance, ou talvez numa novela. Mas num conto, a gente não quer que eles se lembrem da história, a gente quer que eles vivam o personagem. Então detalhes que descrevem minuciosamente cada movimento do músculo de um protagonista, é algo muito comum.

Claro que nessa estória, a gente iria abusar disso, afinal, o personagem fictício que recebeu o corno, representa o medo/realidade que todos os homens temem. Se esse fosse um conto infantil, tipo de fadas, sei lá, ele teria uma moral no fim.... Porque não fazer o mesmo nesse conto? E a moral seria tão simples quanto essa: Não existe moral na vida real. Ou você fode, ou você é fodido, é assim que isso funciona. Esse é o que os homens temem: Estar no lado dos fodidos. E por causa desse medo, só temos mais fodidos a cada dia....

Complementos artísticos? Talvez desnecessários. A própria vida do protagonista tratou-se de lhe tirar todos os elementos poéticos que poderiam embelezar o nosso conto. E da forma como ele está fodido.... Não creio que exista alguma coisa para embelezar em Zé ou na mulher dele, ou qualquer outro aspecto daquela estória miserável... Só se fosse embelezar a feiura deste conto. Mas eu sou bonzinho, e não quero que vocês fiquem mais um instante ouvindo minha voz irritante, até porque pessoalmente, eu odeio ler. E com isso, só preciso dizer que as frases do conto acabaram aqui, e como não gosto de ficar muito tempo falando, concluo esta estória muito cliché, da maneira mais cliché possível.

Espero que vocês tenham gostado da minha voz maravilhosa, e assim, me despeço.... Hein, ainda tem outra coisa que se encontra escrita aqui...

Para os que lerem esta estória.... Esse cara só está falando bolhas, se é que você me entende. O que a gente espera que esse infeliz faça depois de tudo o que ele passou? Ele se mata. Tão previsível que até mete nojo.... A forma covarde que ele encontrou de foder a vida, foi literalmente fodendo com a vida.... Talvez se isso se tratasse de uma novela, ou de um romance, ele seria inteligente o suficiente para encontrar uma forma de enrabar ela com um caralho bem grosso, e virava um cara feliz e realizado, ou ia continuar na bosta que estava, mas com alguns desenvolvimentos, talvez se tornando um assassino ou algo do tipo. Mas como isso é um conto, precisamos de um ponto final, o mais rapidamente possível. E aí, o vilão (que por acaso é o protagonista) matou o protagonista (que por acaso é o vilão). Não é à toa que eu odeio ler esse tipo de estórias. Mas o que mais preciso dizer, o cara que lentamente se suicidava em copos, decidiu acelerar um pouco esse processo, e morreu. Satisfeito? E agora é com muita satisfação que vou dizer.... ACABOU PORRA!

Desculpem, quis dizer:

FIM.

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