Quando o destino chama

Capítulo 4 - Decisão

- Você tem alguma ideia do que isso significa, Luiza?! - Indagou Álvaro com o olhar incrédulo grudado nos papéis que o senhor Josias havia deixado comigo.

Não fazia a mínima ideia do que poderia conter nas páginas daquele documento, eu não havia sequer dado uma segunda olhada nos papéis agora em suas mãos. Quando saí do escritório às pressas atrás dele nada mais passou pela minha cabeça.

Estava atordoada de mais com a notícia da herança que nunca esperei receber. Nada daquilo fazia sentido pra mim, e pela cara de Álvaro pude sentir que faria ainda menos sentido quando ele me revelasse o que continha ali... Era engano, só poderia ser um engano.

- Vá direto ao ponto Álvaro! - Exclamei tentando manter a voz calma apesar do nervosismo corroendo meu auto controle.

Álvaro riu satisfeito e jogou os papéis em cima da mesinha de centro de sua sala de estar e sentou-se no sofá e minha frente. Um sorriso de orelha a orelha repuxava seus lábios.

- Significa que você é uma mulher rica Liz! Seu avô te deixou uma propriedade avaliada em 35 milhões de reais e uma aplicação pessoal no valor de 20 milhões com rendimentos suficientes para você parar de trabalhar agora mesmo!

Minha boca formou um O de surpresa e incredulidade. Nunca soube que meu avô tivesse tanto dinheiro, não era surpresa pra ninguém que ele possuía propriedades, rendas e investimentos que lhe permitiam levar uma vida confortável, mas ser milionário era algo completamente novo pra mim. A verdade era que eu nunca realmente conheci quem foi meu avô. E com o decorrer de minha infância, notei ainda muito jovem como meus pais evitavam falar dele; apenas quando os perdi e fui morar com ele que entendi o por quê. Eles queriam me proteger de saber que meu próprio avô me considerava uma bastarda, nem mesmo o sobrenome dele eu possuía.
E a final de contas, eu deveria mesmo aceitar aquela quantia mesmo sabendo o quanto ele fizera para esconde-la de mim? O homem que deveria ter sido como um segundo pai pra mim poderia ter me dado qualquer coisa, mas o amor que sempre precisei e ansiei nunca me foi concedido....

Álvaro falou novamente, interrompendo o caminho perigoso que meus pensamentos tomavam.

- A única coisa condição descrita para você receber essa bolada é passar um mês na casa que foi de seu avô antes do fim do prazo para a assinatura dos papeis, que termina depois de amanhã. - Acrescentou Álvaro com o sorriso morrendo aos poucos ao examinar minha expressão mais atentamente.

Engoli a seco diante da possibilidade de um mês na casa a qual passei tanto sofrimento, no lugar onde a miséria quase tomara conta de mim por completo. Infelizmente as lembranças de meu avô tirano não eram as únicas que me atormentavam. E a ideia de sequer tentar retornar me dava medo; medo de reviver os sentimentos que jurei a mim mesma nunca mais sentir.

- Não sei se posso fazer isso Álvy... - Falei em voz tão baixa que duvidei que ele pudesse ter ouvido.

Álvaro levantou-se e veio em minha direção com o semblante decidido e resoluto, deixando de lado sua postura relaxada para assumir a de protetor. A sensação de seus braços fortes e aconchegantes envolvendo-me em um casulo de carinho e solidariedade foi a prova sólida e inabalável de que eu precisava para saber nunca mais teria que passar pelo que passei sozinha.

- Ah Luiza... - Sua voz rouca soou cheia de amparo e apoio. Com o queixo apoiado no topo de minha cabeça senti suas palavras seguintes vibrarem em meus ouvidos enquanto me agarrava e apoiava na rocha sólida de seu abraço. - Você não é mais a adolescente que desembarcou grávida e sozinha na rodoviária do Tietê. - Disse ele apertando-me em seus braços fortes.

Enrijeci sentindo o peso insuportável da menção do bebê que nunca tive a oportunidade de conhecer cair como um pedra sobre mim. O mioma uterino que causou minha internação também havia causado o aborto espontâneo da criança que carreguei por tão pouco tempo. A convivência dura com meu avô, o abandono e a expulsão de casa não foram nada perto de dizer adeus ao meu bebê.

- Você é muito mais do que isso Luiza, é a pessoa mais forte que conheço, você é tenaz, audaciosa, decidida,  perspicaz.... Adjetivos não faltam para descrever o quão maravilhosa e única você é. Olhe-se no espelho! Eu preciso mesmo te lembrar de quem você realmente é?! - Indagou retoricamente ao afastar-se o suficiente para olhar em meus olhos. - Você merece esse dinheiro, vá buscá-lo! Além do mais, você me prometeu tirar férias. Sabe como é, promessa é dívida e você está me devendo. - Gracejou ele tentando me fazer esquecer a dor que a memória de meu aborto trazia. Tentei sorrir para reconfortá-lo.
- E você pode usar esse tempo pra cumprir a condição descrita no testamento. - Acrescentou por fim.

- Eu não posso Álvy. Minha vida é aqui agora, além disso temos a reunião do conselho para a escolha do presidente regional. Você sabe o quanto eu quero isso. - Falei com veemência ao afastar-me dele para sentar no sofá, recusando olhar em seus olhos cor de mel e aceitar a verdade e a lógica em suas palavras.

- Com esse dinheiro você vai poder quitar seu apartamento, comprar boa parte das ações da empresa na bolsa e fazer parte do grupo acionário, tudo de uma vez só! - Exclamou entusiasmado novamente ao aproximando-se de mim no sofá e sentando-se na mesinha de centro a minha frente. Ele sabia o que eu queria e atraiu-me através de minhas ambições. - Ser presidente regional não é nada comparado a isso!

Abri minha boca na intenção de listar as razões para não aceitar, mas o olhar que ele me deu não permitia réplica.

- Lembre-se de quem você é. - Sussurrou com os olhos determinados e confiantes em mim.

E assim, com essas palavras simples, Álvaro selou meu destino e me convenceu mais uma vez a ir a um lugar indesejado. Era hora de enfrentar meus demônios e atender ao chamado do destino.

Eu só não sabia ainda o quanto aquilo mudaria minha vida.