Pecado Mortal

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Realmente dançava como uma lombriga, mas está a se esforçando tanto.

A melodia, o ritmo, os passos, os tons, os sorrisos e até mesmo o leve termos quase imperceptível a tornava uma musa (quase Enterpede).

A apresentação seria as oito. Eram onze da manhã e ela ainda não havia parado. Nunca estava nota 10. Sempre o maldito 8,75. Eu tinha muita vontade de jogar alguma coisa nela por isso. Era ridículo nunca estar bom, uma falta de consideração com ela, com a professora de música e comigo.

Mas mesmo quando a onda de raiva e impaciência me subiam a garganta, eu olhava para ela, e tudo voltava a ser um mar calmo.

O que era um ótimo sinal. Na última semana meu nível de instabilidade aumentou muito. Meu tio disse que era normal, mas aquilo não parecia normal. Não podia ser. As vezes eu me encolhia no canto e chorava até Herike vir me acalmar ou Annie começar a grita comigo. Me afastei completamente de Alana. Acho que sinto vergonha de quem sou. Do que me tornei. Não que se tenha muito a fazer. Mas pelo menos eu estava feliz agora.

Felicidade relativa, claro. Mas tinha uma namorada que me aceitava, que apesar de quase sempre berrar comigo estava do meu lado nas crises. Pra mim, não podia estar melhor. Só não sei se o sentimento é mútuo.

Sai do devaneio quando Annie chegou pulando.

- 9, 30 agora.

- Aleluia irmãos! - me levantei da cadeira. - Vamos almoçar agora?

O sorriso saiu de seu rosto e ela caiu em um dos assentos, enterrou a cabeça nas mãos e os ombros começaram a balançar com os soluços.

- Opa! Ah, qual é Annie. Eu vi a apresentação. Foi nota 10.

- NÃO, FOI UMA PORRA DE 9,30 E VOCÊ NEM PROFICIONAL É PRA JULGAR MEU EMPENHO!

-Oh saco. E o que espera que eu faça?

- Merda nenhuma Christopher, merda nenhuma.

Furiosa, ela quase arrombou a porta dupla do ginásio de apresentações e saiu marchando.

Respiro fundo. Mais um dia maravilhoso com minha namorada maravilhosa vai por água a baixo.

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Mais um dia maravilhoso com meu namorado, que bem no fundo não sei ao certo o que sinto por ele, vai por água a baixo.

Eu tinha me livrado da crise do "9,30". Algo me convenceu que fui bem melhor que isso. Tenho tanta chance quanto qualquer outro.

Mas no fundo do meu coração e mente, não era isso que eu pensava.

Chris estava realmente apaixonado por mim. Ele se declarava todo dia. Ele me deu uma flor e também uma caixa de bombons. Eu peguei, eu agradeci, coloquei num vaso, comi e dividi, dei meu mais forçado sorriso de apaixonada, mas minha garganta estava fechada. Meu coração cada vez mais pedia para parar aquilo, para que acabasse. Era um sofrimento pra mim é pior ainda, eu uma tortura pra ele. Mas eu não queria deixa-lo. De modo algum,em hipótese alguma. Estava determinada a viver ao seu lado para sempre. Isso claro, durava um período de quinze minutos, depois a loucura me afastava de todo bom sentimento.

Essa semana mesmo fui cinco ou seis vezes me deitar em posição fetal no esconderijo da minha mãe no velho rancho. La eu sentia ela, e ficava falando para as paredes, para sua própria essência como eu me sentia.

Agora, duas horas antes da apresentação, com o cabelo penteado num topete e cachos de salão, um vestido salmão brilhante e saltos altos que eu suponho terem vindo do inferno, eu estava sentada com as costas apoiadas nas caixas velhas. Com uma mistura de vodka e energético numa garrafa térmica na mão, rímel borrado. Logo no talvez dia mais importante da minha vida a loucura ganhou novamente.

Estranho? Nossa Annie, você está jogando tudo por causa de amor? Isso foi tão de repente. Por que fazer isso? Seu namorado te ama tanto. Você é uma babaca, uma ridícula e eu quero que você morra. Tudo tão sem noção, tudo tão repentino.

É, EXATAMENTE. Vai em frente e julgue minha loucura, é fácil falar quando você pensa por si mesmo, pensa sem mudar de ideia inconscientemente. Quando você tem apenas uma consciência. Mas adivinha? Eu sou mesmo uma babaca, idiota e ridícula. Queria de novo quebrar minha promessa com minha mãe. Me pendurar numa corda até sufocar, os pés balançando no ritmo do mais belo e profundo desespero, desespero por essa  vida de merda.

Então sim, eu sei que sou uma pessoa horrível.  Que meu tio, Alana e meu namorado estão me esperando agora. Mas eu cansei. Li algo que minha mãe escreveu na parede. "Não há pecado algum em recomeçar, quantas vezes precisar. Doi, mas até mesmo a dor morre." Uma bela filosofia. Ainda prefiro "Foda-se o mundo e todo o resto." Mas é uma filosofia válida. Mas minha mãe estava errada em um pequeno detalhe. Catei um pedaço de carvão no chão e fui ate a parede velha. Me ajeitei, sujando os joelhos do vestido. Então comecei a rabiscar minha própria filosofia válida.

"Recomeçar é um pecado mortal, mortal em todos os sentidos. E a dor, minha querida mãe, é a única coisa nesse mundo que, talvez até morra, mas não teme o ceifador. "

Escrevi uma frase mais.

"Eis a diferença entre anjos e demônios. Nos anjos, a dor morreu, nos demônios ela evoluiu. Por isso digo, somos todos demônios e quando morrermos, se, e apenas se, a dor morrer conosco, viramos anjos. Caso contrário, bem vindos ao inferno"

Olhei o horário no meu celular. 20:47. Perdi. Novamente. Passei chamadas e mais chamadas perdidas. Meu deus. Por quanto tempo chorei?

E por quanto tempo chorarei mais? Quantas vezes mais serei covarde e irei fugir?

Foi quando a loucura finalmente me fez bem. Ergui a cabeça. Tomei o último gole da garrafa e a joguei no chão. E sai. Corri. Peguei ate um táxi, apesar de não ter dinheiro e ter fugido do taxista também. E em alguns minutos eu estava lá, na frente da maldita instituição. Pronta pra maldita apresentação.

Doce InsanidadeOnde histórias criam vida. Descubra agora