4. A tensão entre monoteísmo e a expansão do Império

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4. A tensão entre monoteísmo e a expansão do Império

Era totalmente inusitado que o governo romano tomasse decisões de condenação às diversas religiões presentes na época imperial: os cultos podiam ser alentados ou não, mas raras vezes perseguidos; inclusive, os cultos judeus e os egípcios eram, normalmente, protegidos. O prolongado conflito entre os cristãos e o estado romano – inclusive, levando-se em conta que a perseguição não era constante – é o único caso, devido a varias razões, dependendo mais das atitudes dos cristãos do que da atitude imperial. Primeiramente, os cristãos não cederam nem retrocederam – como fizeram os druidas – frente à perseguição romana; em segundo lugar, os cristãos quase nunca chegaram a ser inimigos declarados do Estado romano, nem se rebelaram contra ele: o caráter providencial do estado romano era uma premissa básica do cristianismo. Para os cristãos, a mão da Providência se mostrava, em que Jesus havia nascido sob o governo de Roma, e o estado romano destruiu o Templo de Jerusalém e dispersou os judeus, fazendo, assim, a Igreja como herdeira do Templo. Em terceiro lugar, os cristãos estavam interessados na "cultura clássica": o debate com os cristãos foi, cada vez mais, um debate dentro dos termos de referência da cultura clássica – os judeus, ao contrário, perderam contato com o pensamento clássico e, inclusive, com homens como Fílon, que havia sido seu representante no diálogo com a cultura clássica. Em quarto lugar, o cristianismo e sua organização eclesiástica apresentavam algo que podia ser uma estrutura rival – ou, ao menos, subsidiária – do governo imperial: o imperador Constantino escolheu a Igreja como instituição subsidiária (sem saber bem em que condições...).

A novidade do conflito explica a novidade da solução: não a tolerância, mas a conversão. O imperador tinha que tornar-se cristão e aceitar as implicações de sua conversão. Converteu o estado pagão em estado cristão – o processo adotou a forma de uma série de decisões sobre atos de cultos não cristãos. A primeira proibição de sacrifícios pagãos parece datar em 341 d.C. (Codex Theodosianus, 16. 10. 2); o fechamento de templos pagãos e a proibição dos sacrifícios em lugares públicos sob pena de morte foram decretados ou reafirmados em uma data incerta, entre 346 e 534 d.C. Entretanto, essas medidas não foram profundamente eficazes: o imperador continuou sendo pontífex maximus, até que Graciano renunciou ao cargo em 379 d.C.; foi ele também que eliminou, do Senado, o altar de Vitória e provocou a controvérsia mais importante da Antiguidade tardia: aquela entre Símaco e o bispo cristão Ambrósio, sobre os méritos respectivos da tolerância e da conversão. Depois, em 391 d.C., Trajano proibiu, inclusive, o culto pagão privado (Codex Theodosianus 16. 10. 12); nesse mesmo ano, depois de sublevações provocadas por uma lei especial contra os cultos pagãos no Egito, foi destruído o Serapeum de Alexandria, ato cuja significação se sentiu em todo o mundo antigo... Os sacerdotes pagãos foram despojados de todos os seus privilégios em 396 d.C.; em 399, se ordenou a destruição de todos os templos pagãos situados no campo (não nas cidades)... Não há dúvida de que os cristãos sabiam como e onde proceder a ação direta... A independência econômica e o prestigio tradicional de aristocratas locais pagãos – especialmente em Roma – lhes permitiu sobreviver por algum tempo e continuar elaborando o pensamento pagão, mas os neoplatônicos tiveram que ser expulsos por Justianiano, em 529 d.C. (na África, o processo foi mais demorado: Sinésio foi o primeiro neoplatônico a ser batizado nos começos do século V, entre 403 e 410...). Os campesinos – de quem tanto se queixava o bispo espanhol Martín de Bracara – deram mais trabalho às autoridades eclesiásticas que os filósofos ou os aristocratas das cidades: os sacrifícios foram o principal flanco das suspeitas cristãs...

A crise do século III só pode ser entendida pela conjugação de vários fatores. O primeiro deles é constituído pela decadência generalizada dos costumes e o consequente enfraquecimento do povo e do exército romano; o segundo fator seria o fato de, no século III, os imperadores serem escolhidos pelo exército romano; outro fator seria o início do perigo bárbaro; um quarto fator foi a crise econômica do Império Romano. Frente a todo esse contexto, o Imperador Diocleciano percebeu a premente necessidade da unidade do Império, diante do temor de uma divisão interna; ele, então, pergunta-se se os elementos cristãos serão fiéis ou não ao Império Romano na possibilidade da invasão bárbara, e pede, então, que todos venerem o Imperador e, frente à recusa de alguns cristãos, eles são executados por não terem oferecido sacrifícios em sua honra... Há uma deserção maciça entre os cristãos, embora existam verdadeiros confessores (aqueles que não fogem do martírio, mas, por um motivo ou outro, são poupados). Dois defensores da Igreja – São Cipriano e Dionísio – escondem-se, mas organizam, clandestinamente, suas Igrejas.

Como vivia a Igreja Cristã antiga?Makyl AngeloOnde histórias criam vida. Descubra agora