3. Do culto ao Imperador à homenagem cristã

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3. Do culto ao imperador à homenagem cristã

Como era a religião romana no período imperial e como o cristianismo, uma religião totalmente "estrangeira" em suas origens, que surgiu nesse período, chegou ao ponto de ser assimilada pelo Império? Houve três fatos elementares e relacionados entre si. Em primeiro lugar, a antiga prática romana de convidar os principais deuses de seus inimigos a converter-se em deuses romanos (= evocatio) perdeu muito (ou toda) a importância em sua nova etapa do imperialismo – a evocativo parece não haver desempenhado nenhum papel nas guerras da Espanha, Gália e no Oriente – somente é mencionada (e, mesmo assim, com base em evidência duvidosa – mencionada em SÉRVIO, Ad Aeneidem 12. 481) em relação com a conquista de Cartago... O segundo fato é que, enquanto conquistava o mundo helenístico, Roma empreendeu uma massiva absorção da língua, da literatura e da religião da Grécia, com a consequência de que os deuses romanos alcançaram a vitória sobre a Grécia justamente quando chegaram a identificar-se com os deuses gregos (como se supunha que os deuses tomavam partido e ajudavam seus adoradores, isso deve ter causado alguns problemas...). O terceiro fato é que a conquista da África, Espanha e, finalmente, da Gália produziu o fenômeno oposto de uma grande – ainda que sistemática – identificação de deuses púnicos, ibéricos e celtas com deuses romanos, e isso, por sua vez, tem relação com dois aspectos opostos da conquista romana do Ocidente.

Por um lado, os romanos não tinham muita simpatia nem compreensão pela religião de seus súditos ocidentais – mesmo que, ocasionalmente, os romanos fizeram sacrifícios humanos, lhes eram repugnantes as diversas formas de sacrifício humano que se praticavam, com frequência muito maior, na África, Espanha e Gália (daí seus posteriores esforços para eliminar os druidas na Gália e a ilha da Grã-Bretanha); por outro lado, o norte da África (com exceção do Egito), e a Europa Ocidental já estavam profundamente latinizados em sua língua e romanizadas suas instituições, criando, assim, condições para a assimilação de deuses nativos em deuses romanos. Sem dúvida, os deuses Marte, Mercúrio, e, inclusive, Júpiter e Diana, que encontramos com tanta frequência na Gália com os romanos, não são os mesmos que em Roma; alguns deuses romanos (como Jano e Quirino) não parecem haver penetrado na Gália... De igual modo, na África, Saturno conservou muito do Baal Hammon com o qual foi identificado; ali, ademais, Juno Celestis (ou, simplesmente, Celestis, destinada à considerável veneração fora da África) é Tanit (= Tanith), a grande deusa de Cartago e companheira de Baal Hammon. A assimilação do deus nativo se revela, frequentemente, no adjetivo acompanhante: Marte Leno, Mercúrio Dumiato, etc, na Gália. Um fenômeno semelhante se produziu no Oriente, sob as monarquias helenísticas: deuses nativos, especialmente semíticos, foram assimilados a deuses gregos, em especial Zeus e Apolo; a assimilação oriental continuou sob o domínio romano (como se vê, por exemplo, em Zeus Panâmaros de Cária).

Essas tendências sincréticas aconteceram, em parte, por causa dos soldados romanos, que residiam entre os nativos durante períodos cada vez mais prolongados. Outra consequência do imperialismo foi a insistência na vitória e em certos deuses de origem grega (como Hércules e Apolo) como "deuses da vitória" – os imperadores romanos utilizavam uma elaborada linguagem religiosa para falar da vitória: Agostinho de Hipona, por exemplo, descreveu a Vitória como o anjo de Deus (Cidade de Deus 4. 17). Os romanos também converteram alguns deuses de origem grega em deuses da vitória – depois de uma vitória, os generais usavam oferecer 10% da pilhagem a Hércules... Como pontífex maximus por 20 anos, César refcormou, não somente cultos individuais, como também o calendário, que tinha grande significação religiosa: respaldou sua exigência de poderes ditatoriais, acumulando honras religiosas que, ainda que os detalhes nos sejam obscuros, antecipam o posterior culto imperial... Se atribui, ao pontífex maximus Q. Mucio Escévola a popularização da distinção, no princípio grega, entre os deuses dos poetas (tal como aparecem nos mitos), os deuses das pessoas comuns, que se encontram nos cultos e nas leis sagradas, e, finalmente, os deuses dos filósofos, confinados aos livros e às discussões privadas.

Como vivia a Igreja Cristã antiga?Makyl AngeloOnde histórias criam vida. Descubra agora