Cinco e meia da manhã, que ótimo, o despertador berrava um som agudo como o de uma sirene, Rebecca ouve o irmão gemer na cama de cima do velho beliche. Lentamente se arrasta até o único banheiro presente na casa ficando alguns minutos sentada no vaso apenas olhando para o nada. Enquanto escovava os dentes ouvia o som da tv com uma reportagem de um jornal brasileiro que a mãe colocara para escutar enquanto preparava o café.
O Brasil teve no ano de passado ao menos 47.646 estupros. É o que mostram os dados oficiais das secretarias estaduais da Segurança coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Dizia o locutor de voz grave seguido de uma mulher com voz tão aguda que dava enjoo só de dela abrir aquela maldita boca.
O número representa uma queda de quase 7% em relação ao registrado em 2013 (51.090). Ainda assim, equivale a um caso a cada 11 minutos, em média, no país. Os números incluem também os estupros de vulnerável, crime cometido contra menores de 14 anos.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública acredita que possa ter ocorrido entre 136 mil e 476 mil casos de estupro no Brasil no ano passado. A projeção mais 'otimista' está baseada em estudos internacionais, como o 'National Crime Victimization Survey', que aponta que apenas 35% das vítimas desse tipo de crime prestam queixa. Já a previsão mais 'pessimista' se apoia no estudo 'Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde', do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que aponta que apenas 10% dos casos chegam ao conhecimento da polícia.
Roraima é o estado com a maior taxa de estupros do país, levando em conta os boletins de ocorrência: 55,5 casos a cada 100 mil habitantes. Espírito Santo registra a menor: 6,1. Só outros três estados têm uma taxa inferior a 10 a cada 100 mil: Rio Grande do Norte (8,7), Goiás (9,4) e Minas Gerais (7,1). O estado do Sudeste, no entanto, foi o que teve a maior variação de 2013 para 2014. De 874 estupros, passou a 1.475 (quase 70% de aumento).
Segundo o anuário, houve outras 5.042 tentativas de estupro em 2014 no país - número maior que o registrado nas delegacias em 2013 (4.897).
- Como se isso importasse nessa casa - resmungava enquanto ouvia mais uma notícia, aparentemente a velha teria mudado de canal.
Nessa manhã um corpo foi encontrado totalmente carbonizado na região próxima ao Brooklyn, a identidade da vítima ainda não fora revelada, a polícia suspeita de acerto de contas por tráfico de drogas ou uma emboscada, uma vez que o corpo fora encontrado em uma região de grande conflito de gangues.
O som da TV ia sumindo aos poucos. Quando percebera já estava novamente levando o pó mágico às narinas. Qual seu problema Rebecca? Não consegue passar um dia sem sua maldita morfina? Sua mente já começara a pregar peças? Vamos Rebecca, veja como você está hoje.
Como sua própria mente poderia fazer tudo isso? Rebecca já não sabia, ela só queria ser uma garota normal com amigos e até um namorado, quem sabe, mas, não, claro que ela não poderia, ela precisava sentir dor. Sofrer. Gritar por ajuda e não ser ouvida.
Ao fim do efeito da medicação a garota encara o espelho, maquiagem perfeita, corpo perfeito, sorriso perfeito, vida perfeita.
- Seja o melhor que você foi ontem, Rebecca, mantenha as aparências. - Ela repetia o mantra várias vezes diante do espelho.
Ao descer para o café da manhã em família o pai da garota a olha de cabo a rabo e solta um sorriso dizendo:
- Está bonita hoje, Rebecca
- Obrigado, papai - ela diz se sentando ao lado do pai, um senhor não muito alto que aparentava ter por volta dos seus 37 ou 42 anos.
Olhava cada detalhe da pequena cozinha da casa da família, o armário que fora quebrado em um dos acessos de fúria do pai, a geladeira repleta de notas "A" tanto dela quanto do irmão mais velho, a mãe fritando bacon enquanto cantava alegremente uma canção e a mão de seu pai escorregando lentamente para as coxas da jovem.
E assim era mais um dia típico na casa dos Highmore, todos fingindo que são perfeitos, fingindo que nada acontece, afinal, o lema da família é: Mantenha as aparências.
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Sucker of the pain
AcakDizem que todos somos iguais perante a justiça de Deus, também dizem que tudo que ocorre na sua vida é com um propósito. Sinceramente, quais valores realmente nos levam a crer que somos seres racionais e não um bando de animais ávidos por violência...