Depois de alguns minutos fuzilando o envelope, Kuro sentiu um frio na barriga. Ainda não conseguia acreditar. Tendo os olhos que tinha, nunca; jamais encontrou ou mesmo viu alguém igual ou parecido.
Já estava aceitando que para sempre seria sozinha. Quase não tinha coragem de abrir o resultado. A sensação era pior que não achar seu nome na lista da primeira chamada do vestibular.
Com a mão tremula, rasgou o selo e a cola do envelope. Aos poucos, puxou as folhas devagar, com as pontas dos dedos gelando. Uma gota de suor escorreu na sua têmpora esquerda. Dentre os papeis, haviam gráficos de ressonância, sistemas de medida, a margem de erro do exame, entre outras coisas.
- 86%?! – Berrou ao ver a compatibilidade com seu par.
Toda a aula parou e todos se viraram para ela. Sem ter onde enfiar a cara, Kuro fingiu uma dor de barriga e saiu correndo para o banheiro. Novamente trancada na cabine do meio, e um pouco menos nervosa, leu as especificações e uma provável data de imersão e relocação de turma.
- Gale G. Volker - Leu o nome de seu suposto elo.
Ninguém lhe veio à mente. Quem seria esse? Não que ela conhecesse todos na escola, eram muitos alunos, mas um nome desses seria recordado.
Pensou e pensou sentada na tampa do vaso. Nada. Ninguém. Estava aflita sobre a porcelana. Passava todos os rostos que conseguia lembrar em sua mente, mas nenhum tinha cara de Gale. Quando soou o sinal do meio dia, resolveu se dar um descanso e saiu da cabine para o almoço. A alça de sua mochila prendeu na fechadura da porta e ela foi obrigada a recuar bruscamente. Sem muita paciência, deu um forte puxão na alça ao se virar e acabou batendo o nariz no peito de uma garota de capuz preto que entrava no banheiro. Meio sem jeito, se desculpou e seguiu rápido para o refeitório.
Passou pela fila da cantina, pegando um sanduíche e um pudim de chocolate enquanto se perdia imaginando quem seria seu par. Pensava tanto que, sem querer, esbarrou em Rob, sujando-o de chocolate. Eles se sentaram numa mesa e começaram a conversar. Kuro contou sobre seu resultado.
O rapaz não havia se importado muito com a mancha em sua roupa, mas ao descobrir que alguém havia sido encontrado para Kuro, fez uma expressão azeda ao dar uma mordida na espiga de milho.
Kuro tinha se esquecido do almoço que sua mãe trouxera. Certa hora, enquanto conversavam, Rob foi para baixo da mesa, escondendo-se de uma loira peituda andando por entre as mesas. Como ele lamentava de não ter exagerado nos números do resultado falso e posto 87% ao invés de miseráveis 78%.
- E ele é legal com você? – Perguntou Rob, escondendo uma amargura de baixo da mesa.
- Como eu vou saber? Não conheço e nunca o vi, eu acho... - A garota disfarçou para que Rob não fosse descoberto ali. - Conhece alguém da 14-A?
- Nem sabia que tinha uma classe 14-A... – Respondeu o garoto - E a minha? O que achou?
- Não sei... - Kuro olhou para o elo do amigo discretamente. - Ela é bonita.
- Ah! Sei lá... A garota mal me conhece e já quer saber quantos filhos vamos ter... - Disse ele com o queixo no banco.
- Eu hein... Que mina doida. - Franziu a testa para o amigo.
Soou o sinal do fim do almoço, Rob teve de sair do esconderijo e ter Amuro grudada nele. Kuro, distraída, jogou a bandeja com o prato no lixo. Aos altos devaneios ficou rodando o prédio atrás de seu par, mas não encontrou nenhuma sala 14-A e quase foi pega pelos monitores.
Foi se escondendo sob uma janela, que lembrou de perguntar para o único na escola toda que poderia conhecer essa pessoa.
Ao lado da entrada do prédio, esperou dois monitores subirem as escadas e, então, passou o canteiro e foi para a enfermaria.
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Monochrome Gray
FantasíaA chave... a destruição... e a salvação... Como poderia imaginar que seus olhos carregavam um segredo tão terrível. Ninguém possuía os mesmos olhos e, portanto, ninguém poderia ser seu elo. Kuro nunca havia cogitado que eles tivessem qualquer outra...